sexta-feira, 31 de julho de 2009


Rápido que se faz tarde e que palavras a mais são desnecessárias: “City Girl” é o filme mais belo do mundo e Murnau é o maior dos cineastas. Nada de muito novo, Rohmer disse o mesmo a propósito de “Tabu”. Todo o filme é mais do que perfeito, claro, mas a primeira parte, desde a imagem inicial até ao momento em que o filho apresenta a esposa ao pai, já no campo, emana um estado de felicidade, uma alegria, uma calma, logo uma radiosodade palpável e em estado de graça que deve ter alguma coisa a ver com o que Godard escreveu sobre a poesia em Murnau e que eu deste modo jamais vi. Cada vez que vejo algo do Alemão o cinema surge-me outra coisa, algo que eu já soube e esqueci, aparece-me o simples e o belo. E como dizia o outro, as emoções. Arrivederci!

quinta-feira, 30 de julho de 2009


Finalmente pude ver o “Documento Boxe” de Miguel Clara Vasconcelos. Durante o filme até estava a pensar que nem era nada de extraordinário, e há que dizer que certas coisas irritam mesmo – aquela brincadeira com a velocidade do obturador e os antetítulos bem que poderiam ter ficado na mesa de edição, comparativamente com a secura geral quase soa a artificialismo espertinho.
Mas depois há pelo menos duas coisas milagrosas, a primeira é a forma como se interessa – de forma absolutamente contemplativa e apaziguada – pela realidade que trata, as conversas e vivências daquele mundo de homens, quase um universo cifrado e de códigos próprios – como um western, ou coisa assim – o companheirismo, perto do filme de grupo classicista, enfim, um interesse por ambientes e lugares que as imagens raramente assim visitem, sem sombra de cliché.
Depois, e isto acima de tudo, existe um Homem, Jorge Pina, num retrato comoventíssimo de um pugilista que é também escritor, instrutor, actor, etc. A forma como o realizador lhe dá todo o espaço e tempo para ele se revelar e para o deixar existir e se espraiar é um grande gesto de humildade e de sabedoria cinematográfica. E por aqui o documento torna-se gigante.

terça-feira, 28 de julho de 2009



1922. O Buster Keaton de “The Electric House” contém em estado puro e no seu exemplo mais acabado o que sempre achei fundamental na sua obra. Claro que a força dos vários gags (narrativos, visuais…) será sempre vital e em certos momentos comovente, claro que o trabalho corporal é para além do adjectivável, mas…e para mim peso bem as palavras, Keaton surge-me como o nome mais importante dessa grande arte da montagem que nessas décadas despontava. Existe a precisão assustadora do percurso dos comboios e do percurso de um corpo no “The General”, existe um monte de pedras e um monte de noivas a persegui-lo furiosamente em “Seven Chances”, enfim, existem outros incontáveis momentos…mas, acho que para se fazer cinema, para se ver cinema, para se falar de montagem e para tentar contar o que ela é, etc., é preciso ver “The Electric House”. Um trabalho obcecado e apaixonado pelo tempo da acção e por cada acção em si, isto é, o entendimento perfeito do plano e do que dentro dele está e acontece, uma compreensão exacta sobre a importância da ligação e da relação entre duas imagens, noção extrema das correspondências secretas e preciosas existentes nas partes do todo fílmico. Muita coisa haveria a escrever, e muito também sobre o surpreendente vislumbre de coisas que depois se iriam chamar de modernas e ultra modernas – jump cuts, falsos raccords, coisas assim…
Mas acho que o que importa dizer é que é algo assombrosamente carpinteirado, artesanalmente carpinteirado, e que diverte comó caraças…

segunda-feira, 27 de julho de 2009

O que se passou fica cá para mim, mas, finalmente, tenho a certeza de que o mundo e a vida precedem (de maneira brutal…) o cinema. Claro que em muitos aspectos – aqueles que não preciso escrever… – já o sabia, mas agora tenho isto como certeza total e indiscutível. Ok, aquela necessidade louca de querer ver filmes e ler sobre eles continuará, e se calhar com uma nova vertigem, mas algo se quebrou e acho que aquela pulsão doentia de “pelo menos um por dia” é capaz de ter ido às urtigas. Uma coisa me garanto: podes ver os filmes todos deste planeta e dos outos, mas, se não viveres e não te deixares levar pelas experiências (nem digo nada…) os filmes que farás (??) serão uma valente merda. E agora me calo.


* Bom, já agora, um filme do Kiarostami que vergonhosamente nunca tinha visto: “Zire darakhatan zeyton” de 1994. É também sobre isto de fazer filmes e de como vida/cinema e cinema/ vida é coisa de fronteiras estranhas e complexas em certa medida. Um bailado cintilante e serpenteante (como o plano final...) sobre a vida e sobre a ficção. È obviamente fulgurante, tanto mais quanto essa fulgurância nasce da impassibilidade contemplativa, da imperturbalidade de uma câmara e de um olhar perante a complexidade do humano e do meio, um reconhecimento e um majestoso elogio à natureza e à matéria. A este mundo.

E isto continua...

domingo, 19 de julho de 2009

"Já não é assim hoje, mas o cinema servia para filmar coisas muito importantes, não é como hoje, porque hoje o cinema não serve para absolutamente nada, e é uma coisa de vaidade e de...é uma coisa muito triste o cinema hoje"

"...é preciso ter uma atitude mais combativa, não pensar só na arte, não pensar só nos filmes, e pensar na forma de organização, entre eles, colectiva ou mesmo solitária, fazendo pequenas unidades de produção, vídeo e o que for...mas uma coisa que vá contra a sociedade em que nós vivemos, e a sociedade do cinema é só um reflexo, um espelho da sociedade em que a gente vive, e eu acho que ninguém gosta, eu não gosto..."

"...uma câmara Dv, toda a gente pode comprar, toda a gente tem uma igual no bairro 6 de Maio ou cova da moura, toda a gente, o cinema é assim, não é uma rapariga de fato vermelho a cantar Amália, ou um ferrari azul, não é isso, não é…pode ser melhor, deva eu dizer, é muito melhor do que isso, é melhor do que o ferrai, é melhor que..."

Pedro Costa
São os primeiros planos de “Chinesisches Roulette”, de Fassbinder, e possuem já toda a perturbação que corroerá pelo filme, numa granulação louca (mas louca mesmo, puta) que atingirá o inferno. O paroxismo dos olhares, dos espelhos, da dissimulação, tudo captado por uma câmara que funciona como uma arma. Implacável e sem réstia de piedade. O Alemão que “não atirava bombas, fazia filmes”. tá. Tá tá.
Aqui, como em “Mal”, atenção, muita atenção ao anjinho...
Revisão de “John Rambo”. Sly repôs a verdade das coisas. O que em “First Blood” era a incredulidade parente a maneira como certa ordem e certo país tratavam um homem e um herói, aqui é a descrença de alguém perante o mundo e a aceitação absolutamente triste de uma condição e de uma realidade. É por aqui que este cinema me entrega um humanismo que raramente senti depois do período clássico. Isso e a forma letal como é tratada a violência, é preciso que ela doa para transpor o mero formalismo e o simples espectáculo, é preciso que faça mal. E faz, faz muito mal. Ah, ainda os mais belos planos finais que o cinema americano me ofereceu em tempos, só compráveis aos de “Gran Torino”.

sábado, 18 de julho de 2009



“Mal”, de Alberto Seixas Santos, é um corpo doente, de caminho para a putrefacção, para o apocalipse da matéria. É um organismo em bruto, animal e descarnado, onde as hemorragias, os cancros e a morte fazem parte constituinte da substância da película, estão lá imprimidos, a corroê-la no seu interior, irreversivelmente. Pelo caos, um desfilar de estruturas ósseas dilaceradas, secas, onde a carne rapidamente se vai desvanecendo, onde os corpos dos náufragos e dos fantasmas caminham para o pó. E ainda é preciso ter olhos para ver o anjo… Sem águas mornas, meias tintas nem redenções. Há quem os tenha e há quem não os tenha. É mesmo assim.

sexta-feira, 17 de julho de 2009


“First Blood”. Ted Kotcheff. Sylvester Stallone. Para que este assombro tenha acontecido, obviamente foi preciso ter visto Ford e Hawks. Visto, mas bem visto. E revisto.