segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Recordações da Casa Amarela. Mesmo quem não leu muito, lembra-se logo de Dostoievsky e das Recordações da Casa dos Mortos. Sabe que não o vão levar para o canto da lareira e que a viagem não vai ser agradável. Casa Amarela porquê? A legenda seguinte – ainda estamos mergulhados no negro mais negro – esclarece: “Na minha terra chamavam casa amarela à casa onde guardavam os presos. Por vezes, quando brincávamos na rua, nós, crianças, lançávamos olhares furtivos para as grades escuras e silenciosas das janelas altas e, com o coração apertado, balbuciávamos: ‘Coitadinhos’...”.

Decorre o genérico. Ouvimos uma flauta, sons estranhos, gritos. A casa amarela não é uma prisão. É um manicómio. João de Deus já nos está a falar de lá, quando diz em off um texto de Céline (Mort à Crédit). Mas a luz chega à tela, e o que se inicia é um flash-back. Vagaroso travelling sobre Lisboa, filmada do Tejo, descobrindo a parte mais bela da cidade, do Terreiro do Paço à Madre de Deus. Casas velhas? Como depois corrigirá Dona Violeta “barrocas Senhor João. Isto foi casa de marqueses e marquesas, de príncipes de Portugal”. Ninguém está a brincar, muito menos o realizador. Durante o filme, vezes sem conta, mergulhamos nestes bairros, em ruas, praças e becos. Tudo tão estranho, tão nosso desconhecido. Lisboa tem um verso e um reverso. O verso vê-se do rio e é bom para os poetas. O reverso vê-se em terra e é bom para os pintores. A cidade é secretíssima. Quem vê caras não vê corações. Para lá das fachadas, começam as surpresas. Fiquem os turistas com a ville blanche. Quem cá morrer sabe como tudo é escuro. Tão escuro que, no final – quando João de Deus reencarna em Nosferatu – João César não precisou de qualquer efeito para o enquadrar em décor expressionista. Murnau –para já não falar de Robert Wiene – precisou de estúdios e de grandes decoradores. Para João César, bastou-lhe colocar a câmara, enquadrar rigorosamente, e esperar pela luz. Os milagres acontecem. O poster do filme – uma reprodução do quadro de Grosz John der Frauenmöde pintado em 1918 – não foi modelo do filme. Parece, antes cópia dele. As artes têm, às vezes coincidências singulares.

O travelling do rio, não acaba, por acaso, na Madre de Deus. Também não é por acaso que a sequência seguinte se passa numa capela, dedicada a Nossa Senhora, e que a primeira imagem que vemos nela é a de Nossa Senhora. Vemos mesmo Nossa Senhora antes de veremos João de Deus. É que Recordações da Casa Amarela é também – eu tenderia a dizer é sobretudo – um filme sobre a Mãe. A Mãe é o tema central destas Recordações. Por isso, o final do travelling faz raccord com a imagem barroca de Nossa Senhora. Grande plano, levemente em contre plongée. Corte e contra-plano. Quem vê a Virgem é João de Deus que conhecíamos de voz (o longo monólogo dos percevejos) mas só agora conhecemos em carne e osso. Está sentado na penumbra da igreja “ancestral, silenciosíssima e vazia”. Levanta-se devagar e vai-se embora, com paragem pela pia de água benta e pela caixa de esmolas. Depois de muita palavra, muito silêncio. É possível que o espectador levado pela provocação – ou pela truculência – do verbo abra mais os ouvidos do que os olhos. Será nossa culpa, não do realizador. Não se abre um filme com uma igreja por acaso. Descobriremos porquê muito mais adiante.

Mais adiante. Apôs a sequência da leitaria com o Pom-Pom e Mimi, ou seja com o cãozinho e com a pêga. João de Deus não abriu a boca durante essa conversa de bairro, supostamente realista (até se fala do “nosso Benfica”). Gente tacanha não vê mais nada, senão fado e futebol. Mas quando João de Deus se vai embora, Mimi, reflectida num enorme espelho oval, dirige o olhar na direcção dele e fica muito tempo a vê-lo sem que ele a veja. Mais tarde, dirá: “Vejo-o quase todos os dias na rua ou na leitaria. Reparei em si porque anda sempre muito metido consigo. Não fala com ninguém”. “Falo, mas não se dá por isso”, responde João de Deus. Nesse plano do espelho, tivemos o primeiro sinal de atenções sem palavras. Aquela que depois dirá, em tradução da Boheme, “chamam-me Mimi”, é a primeira pessoa no filme a reparar em João de Deus, a protegê-lo maternalmente (o espelho oval), imagem recorrente dos filmes de César Monteiro.

E aqui faço um parêntesis cinéfilo. Se os críticos mais atentos descobriram (está no filme a rima entre estas Recordações e Quem Espera Por Sapatos do Defunto, o primeiro filme de João César Monteiro), não li em parte nenhuma referências à continuidade com o filme de 1975 Que Farei Com Esta Espada? Nosferatu, citado nas duas obras? Não só. Mimi é irmã gémea dessa outra puta do Cais do Sodré que se confessava depois da Butterfly. Filhos dela passa por insulto. Andamos muito esquecidos dos Evangelhos. Estas entraram com certeza à frente dos outros no Reino dos Céus.

João de Deus sai da leitaria. E a discretíssima alusão materna, evidencia-se na banda sonora, quando começamos a ouvir o Stabat Mater de Vivaldi. Houve um corte e João de Deus, filmado em plongée, detém-se no átrio de uma casa setecentista, forrada a azulejos e com um chão lindíssimo. O plano tem a duração e a solenidade para ser sacral. É uma entrada num templo. “Eia, Mater fons amoris / Me sentire vim doloris / Fac ut tecum lugeam” canta-se e ninguém está a jogar com palavras ou com música. João de Deus começa a subir as escadas – grande escadaria de pedra – em plano de conjunto aproximado. A câmara move-se da esquerda para a direita (raccord ao eixo) e dá-nos a ver o patamar. À direita, um anjo com uma tocha e aos pés dele uma mulher velha a esfregar o chão com uma barra de sabão amarelo. Mais ao longe, à esquerda, um reposteiro com as armas de Portugal. Vivaldi continua e todos os sinais estão reunidos para a encenação sacral. Falta nomeá-la. A câmara recua e enquadra João de Deus, em pé, de costas, no alto do lance de escadas, a certa distância da mulher. É então que diz duas vezes: “Mãe, Mãe”.

O diálogo dos dois é cru e seco (da parte do filho). João de Deus foi ali para pedir dinheiro à mãe, todo o dinheiro da mãe, que lho dá. Situação escabrosa, abjeccionismo, etc.? Quem se ficar por isso, não tem olhos, nem coração, nem gosto. Está é a ver a mais bela das Pietá. Quis est homo, qui non fleret?

A mesma sacralidade preside à encenação do encontro de Mimi com João de Deus na boite: a auréola vaneyckyana e nada de coiso. Preside, depois, à via crucis do canil (“Estou consigo” ou ao almoço da cabidela, com aquele final sublime (“mais luz geral se possível”) sobre o grande plano das mãos de Mimi a dizer: “Bastar-me-á, então, enterrar ambas as mãos na teia para sentir que tudo nasce dela”.

Até que chega a noite dos anos de João de Deus. Ele só pensa no clarinete da menina. Mas. quando esta finalmente o toca (salvo seja e é o K.622 de Mozart) desata a chover e todos fogem. Fica sozinha a menina, o clarinete e Mozart. Mas durante toda a “festa”, Mimi seguiu sempre de longe João de Deus. E é pelo sopro de Mozart (como pelos gárgulas jorrantes das fontes) que vamos até ao grande plano de Mimi, já dentro de casa. Um “plano louisebrookiano” (foi João César quem lhe chamou assim). E diz oferecendo-se: “É a minha prenda de anos”. Mozart cede a Schubert. Primeiro o violoncelo, depois o violino, por fim o piano. Ela tira as meias. A câmara enquadra João de Deus contra a parede, sentado na cama do quarto dele. João de Deus pequeno, à esquerda. Sobre a cama, as botas da fotografia de Stroheim. E enquanto continua o Trio, a câmara sobe muito devagar, largando o protagonista para nos dar a ver Stroheim em corpo inteiro, vestido de oficial de cavalaria. Ouvem-se em off suspiros e por fim o silêncio. “O que foi?”, pergunta Mimi em off. E é então que sabemos, pela directa resposta de João de Deus, que Mimi é mãe. De novo, a Mãe de Deus.

Na sequência seguinte já ela morreu. Depois, há a visita ao quarto dela, tão sacral e tão sacrílega como a visita à Madre. A boneca é a figura de substituição que a menina Julieta não pode ser.

Perdidas toda as mães, todas as mulheres, João de Deus assume-se como pária (fabulosa sequência no banco de jardim, com a descrição da morte da Madre de Deus) e depois assume-se como esse Stroheim que contemplara a sua única noite de amor. É Stroheim quem domina uma Lisboa em ruínas, onde o Carmo do Tanhäuser rima com o Chiado esventrado.

E, na corrida circular do manicómio, João de Deus faz o percurso que liga Lívio, (Luís Miguel Cintra) ao realizador, que o dirigira vinte anos antes, nos Sapatos, “Nunca me tinha ocorrido como a eternidade pode ser tão amarga”. “O que tens feito nestes anos todos?”. “Tenho estado por aqui à tua espera”. “À minha espera?”.

O maior dos homens de teatro da geração de 60 e o maior dos homens de cinema da mesma geração, reencontram-se dois, não mais sendo um só. Inventaram o espaço para matar o tempo e inventaram o tempo para dominar o espaço. O bom senso acabou por prevalecer. Deus dar-lhes-á vida. E o plano mais comovente sobre uma geração é esse de Luís Miguel Cintra, vendo João de Deus afastar-se, com um movimento de garganta, como se engolisse em seco.

Vinte anos vivemos na casa dos mortos, ou na casa amarela João César Monteiro/João de Deus ressuscitou dela para contar a todos nós. É uma “comédia lusitana?”. É uma tragédia portuguesa? É um filme de género? Como João de Deus responde a Henrique Viana que lhe pergunta se A Morte de Empédocles (a de Hölderlin, ou a de Straub?) é policial, a réplica exacta é a dele: “Não! É celestial”. Desse género é que é o filme.

Sozinho diante das estrelas, como no final de Silvestre, este é um filme sagrado. É também – uma vez mais – um grande filme romântico. Esgotaram a imaginação a inventar-lhe parentescos. Leiam o Cesário, o do Sentimento de um Ocidental: “A dor humana busca os amplos horizontes / tem marés, de fel, como um sinistro mar”. É possível viajar por estas Recordações com o poema de Cesário como lâmpada de bolso. Quem se desorientar, orienta-se com ele. Para chega ao mesmo verso e à mesma conclusão. O lençol de Dreyer e a sombra de Murnau. Meus filhos, são filmes destes que, pousando, vos trarão a nitidez às vidas. A todas as vidas.

JOÃO BÉNARD DA COSTA

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

entre Mozos e Tarantino....lol

"Das máquinas de arcada, às Playstation, do Rock ao Fado... tá tudo lá ;)"

disse o Manel P. B. sobre o “4 Copas”...e é evidente...

Nunca se ganha e nunca se perde

......

Quanto aos "Basterds" do Tarantino: rocks! Divertimento inteligentíssimo - e complexo - e também um sopro raro de classicismo (meio fou, ia dizendo) e "jouissance". Tout court. Para Quentin, Cinema é Cinema, de onde jamais fazem sentido os rótulos, o C ou o c. Seja lixo seja épico. Seja o que for…Será sempre esta a moral dos seus filmes, o poder da película e das películas (neste caso até reinventa a História). Enzo C. Raoul W. Jean R. Sergio L. Tudo e mais alguma coisa, sem merdas. Fica o texto do L.M.O pois não é preciso dizer muito mais…Auf Wiedersehen!

Justiça poética e outros assuntos

quinta-feira, 20 de agosto de 2009


O que transmite a imensa sensibilidade e o profundo humanismo do filme de Manuel Mozos são coisas singelas. A começar pelas pessoas que vivem no filme, como vivem e o que fazem, até aos lugares por onde elas andam. Cheio de mundo e de vida, longe do fetiche babado e da cinéfilia barata. Não existem vedetas, décores espampanantes nem grandes carros. Não existe um argumento intricado, piruetas estilísticas ou montagem a rasgar. Tudo é puramente comum e é isso que torna o filme especial e o engrandece. Claro que em muitas salas onde será projectado (e é milagroso ver coisas tão pequenas e íntimas serem projectadas) passará por simples objecto “demodê”, quem sabe anacrónico. Nada disso (mesmo que seja preciosamente “fora de tempo”), Mozos é um clássico, um dos últimos crentes da arte dos silêncios e do relato, do essencial e do sensível. É daqueles cineastas que sabe que quando a arte clássica é praticada com tal certeza absoluta e com tal humildade, só desse modo o cinema parece ser possível existir e fazer sentido. Nesse hiato que o filme dura, não há margem para dúvidas. Um cinema que se interessa pelo que o demais dispensa e lamentavelmente elide – desde os pequenos gestos e modos caseiros ou no trabalho, até à maneira como se sente um cigarro ou se bebe um copo de cerveja, se dá pontapés numa bola, ou ainda na fabulosa cena da discoteca, a criação de ambiente e atmosfera bem como os rituais próprios dos lugares, é de quem percebe tanto de cinema como da vida. Sim, pois não é só a mestria da velha escala dos planos e do trabalho de luz que está em jogo, é de modo tão decisivo um respeito pela subjectividade e pelas nuances de cada indivíduo. Cada um é um outro, zero de maniqueísmo nestes aspectos. Por tudo e mais alguma coisa, repare-se na imensa orgânica e nas respirações várias que o filme ostenta, nas sinuosidades, nos altos e baixos (precisamente como os baixos e os altos representados pelo centro comercial e a montanha; um pouco de sufoco, muito de transcendência), na forma como as coisas mudam e se transformam, nunca preso, muito menos dependente, de convenções narrativas e visuais destes tempos – impressionante a maneira como a música entra e se abandona conforme a emoção em jogo – inventando mais uma vez uma poética própria (ler sobre “Xavier”, sempre). Que se note mais uma vez que o clássico quando nestes moldes sublimado e cinzelado é mesmo o mais moderno dos modos e logo o mais livre, é daí que nasce a frescura de “4 Copas”. E que por tudo se perceba que na era do digital – onde se tenta a todo o custo substituir a carne, os ossos e o sangue, por meros pixels – ainda é possível que seres tão comoventes, inseguros, cheios de falhas e virtudes, numa palavra, humanos, habitem deste modo uma realidade e uma tela. Ainda é possível filmar afectos e relações, sem pedir desculpas.

Rita Martins, ai ai...

sábado, 15 de agosto de 2009



parece ser desta, finalmente o filme de Manuel Mozos parece que vai estrear! mais vale tarde do que nunca...

terça-feira, 11 de agosto de 2009



Está excelente Miguel, do que conheço só faltará um filme que acabei de ver. Obviamente fui abatido por K.O. “Fat City”, de 1972. Obra-primissima. Disse-me uma vez o Carlos Melo ferreira, e depois o Luís Miguel Oliveira também o escreveu no ípsilon, que é John Huston quem mais vive na obra de Clint Eastwood. Realmente, fácil de ver e de sentir em filmes assim. É a mesma comoção e secura. De resto, podem cantar à vontade que bastaria este filme ou um “The Misfits” para ser uma grande cineasta. Hasta!

"Be with Me", Eric Khoo, 2005

Qualquer coisa assim: uma câmara e uma mise-en-scène que caminham sempre, em movimento aproximativo, em direcção ao coração e ao sensível. Uma espécie de tateamento da alma. Banda imagem, som e texto dialecticamente unidos nessa demarche. Enfim, uma sinfonia da infelicidade e do aceitamento, daí uma espécie de serenidade derradeira para todos os casos, imbuída numa espécie de decoupage Ozuniana (a velocidade não é para aqui chamada, é o mais estático dos filmes) que trata todos os elementos e todos meios – o novo, o velho, o mais do que o novo, o arcaico, etc. – num só tempo e num só olhar, o da contemplação de tudo. Também é um filme mudo. Um rasgar de horizontes?

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

...we respect him because he shoots scenes of murder like scenes of love.



Truffaut certo, certíssimo, como sempre. Será coincidência que no mesmo dia em que fiquei derrubado por “Rebecca”, alguém me tenha alertado (muitooo agradecido) para uma dupla sessão de Hitchcock na 2? Certo que o primeiro dos filmes já tinha voado, nada sério, a seguir passava um dos meus favoritos: “Dial M for Murder”. A primeira vez que o tinha visto também tinha sido no mesmo canal, aí há uns dez anos, com introdução de João Bénard da Costa, junto a um telefone, num clima que reenviava para os ambientes do mestre. Gravei, nunca esqueci, revi muitas vezes, tantas o filme como a sábia e inultrapassável introdução do outro mestre. E que bom que foi rever mais uma vez, é coisa sublime, única, de um encanto e inteligência raríssimas. Aquele momento em que a graça absoluta de uma mulher, Grace Kelly, naquela sensualidade, naquele corpo, com aquela voz e com tudo o resto, foram contraponto aos mecanismos e às macabras ideias de horror que o homem é capaz de urdir. Beleza insuportável e morte a coincidirem daquele modo no mesmo plano, ao longo do todo. O imaculado e o virginal em relação com o negro dos abismos e da perdição. Jogo de espelhos, reflexos e ambiguidades jogadas com a mais profunda das ironias, com o mais profundo sarcasmo.

...


"Bonsoir mesdames et messieurs. I beg your pardon in advance because my English is terrible. You just saw the dubbing version—the dubbed version, not the French version. In America, you call this man 'Hitch'; In France, we call him 'Monsieur Hitchcock.' [audience laughs] You respect him because he shoots scenes of love as if they were scenes of murder; we respect him because he shoots scenes of murder like scenes of love [laughter, applause]. Anyway, it is the same man we are talking about, the same man and the same artist. When I began to direct films, I thought Monsieur Hitchcock was fantastique, maybe because he weighed more than 200 pounds. Therefore I tried to eat more and more. I gained 20 pounds but it obviously didn't work. I knew I had to find another way to understand the proportions of his genius. So I asked Monsieur Hitchcock to give me an interview of 50 hours and to reveal all his secrets. The result was a book. Actually it was like a cookbook, full of recipes for making films. But the great secret of Monsieur Hitchcock is a secret of cinema itself. People used to say, 'A film is good when it gives fear or pleasure to the audience watching it.' But I don't believe that. A film is really good when you can read between the images the director's fears when he made this film, or his pleasure making this film [chuckles]. I see it must be pleasure that Monsieur Hitchcock felt when he put his camera on the summit of Mount Rushmore."

Truffaut para Hitch num tributo do Film Society of Lincoln Center, 1974
p.s: da última vez que foi ao cinema e das vezes que por lá passo para espreitar para dentro da cabine, um bocejo: não encontro a menina da bilheteira, aquela imensamente frágil e linda que já me fez ir ver coisas dispensáveis só para poder trocar palavras e sorrisos. Foda-se, disse eu. Depois pensei e reconfortei-me: é Agosto, as pessoas que trabalham podem ir de férias em Agosto. Novo revés: ok, mas o resto do crew está lá. Contra ataco: já viste se todos gozassem férias ao mesmo tempo? O que é certo é que se algo se confirma lá reduzo ao osso as minhas idas às salas. Com calma…

…e fixe fixe, além da Catherine Deneuve no “Repulsion", é que o S.L.B está em alta e a cerveja no tasco onde vou continua com o mesmo preço. Olé!
Estava a ver “André Valente”, a primeira longa-metragem da Catarina Ruiva. Digo desde já que o filme é bom. Trata-se de um olhar sobre uma fatia de tempo na vida de uma criança e do que a rodeia. Olhar elíptico, austero, delicadamente poético e ao mesmo tempo…livre. Daqueles paradoxos que só o são nos compêndios escolares. Geralmente aprende-se é com quem sabe e Catarina Ruivo aprendeu com um dos que sabe mais, Alberto Seixas Santos (eu poderia andar mil anos neste mundo que não lhe chegaria aos calcanhares…) nomeadamente na montagem desse meteoro chamado “Mal”. Curioso como tanta coisa passou, o que já referi e ainda uma atenção e interesse pelo real, pelas matérias, um todo pensante e de respiração própria e singular habilmente trabalhado pela montagem. Montagem montagem e não simples ligar de imagens e de planinhos. O tempo sente-se e passa, passa mesmo, as coisas mudam, basta estar atento aos pormenores da personalidade da criança.
É interessante e forte, sem dúvida, mas depois dei por mim a pensar: porque é que um filme como “Mal”, já que estou nesta de transversalidades, ou então, outros olhares marcantes sobre a infância, pensei em “O Sangue” (injusto, pensar nisto é pensar no máximo), mas poderia ser coisas da Teresa Villaverde, etc., ficaram a ressoar infinitamente (até hoje) em mim, e o tempo do filme de Catarina Ruivo bater foi quase só durante a projecção? É evidente que a virulência cósmica, infernal, do filme de Seixas Santos é em grande parte assim devido aos temas em que se detém e às personagens que faz viver; é claro que o filme de Pedro Costa está mais do lado dos sonhos e dos pesadelos, das fantasias, dos medos e das revelações, menos interessado no real em bruto. Mas em qualquer um destes dois existe aquilo que penso ser uma transcendência, em sentido lato e grave, qualquer coisa da ordem do segredo, do perigo mesmo. Impossível identificar e cercar tal transcendência. E com isto não estou a meter, como já disse, “André Valente” no terreno do anódino, ou a querer as características dos referidos filmes neste, longe disso. Então, “águas mornas”, “pão simples”? Acho que falta algo, algo a ver com o enigma e o melindroso, algo que adense as superfícies e extravase as bordas. Um odor qualquer. Um ressoar. Um vislumbre ou um contra campo que rasgue o conforto da poesia e da ternura simples. Pelo menos eu sinto isso, faz-me falta que o filme fique, que mexa.

domingo, 9 de agosto de 2009

Numa extensa entrevista, dada por alturas da retrospectiva organizada, em 1985, pela Cinemateca Portuguesa e dedicada ao Cinema Novo Português: 1960 – 1974, Cunha Telles refere, com justeza, que grande parte da “frescura” de Os Verdes Anos ficava a dever-se à condição “virgem” da equipa que nele tinha trabalhado: “(…) nos Verdes Anos todos os membros da equipa, desde o electricista ao realizador, estavam a fazer o primeiro filme… (…) Quando hoje se volta a ver Os Verdes Anos sente-se alguma fragilidade, mas, ao mesmo tempo, sente-se um sopro que vem da sinceridade e do entusiasmo com que o filme estava a ser feito”

em O CINEMA DA NÃO-ILUSÃO, de João Mário Grilo

sábado, 8 de agosto de 2009

La Sirène du Mississipi de Truffaut, ce qui est beau là dedans c'est que Belmondo comme Deneuve sont des malades mentaux, ils sont fous. Pas question pour le cinéaste de faire de l'un la victime de l'autre.

le weblog de J (...)-S (...)

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

jose diz:
por acaso fiquei decepcionado...

jose diz:
nao sei,e screvi isto a um colega meu:
a minha teoria tem a ver com o investimento narrativo...
que é muito intrincado...
e perde-se aquela sensualidade e liberdade do miami
ou seja, o mesmo tipo de formalismo, ou identico, a querer dar conta de uma peça muitooo mais narrativa
nao sei...
:D

jose diz:
mas deve ser treta...toda a gente está a gosta bastante
é uma coisa pessoal, ás vezes certos filmes nao nos tocam

jose diz:
é-nos dificil entrar neles

aposto as fichas no tarantino, eheh
vi o trailer
mas se calhar ainda gostarei do filme do mann....é impossivel captar a riqueza e complexidade de uma obra assim, de uma penada
ainda por cima quando é um grande cineasta

jose diz:
com calma...


*sobre o "Public Enemies", cada um...

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

"O Amor é mais frio que a morte"


Continua o ciclo Fassbinder. Cada filme é uma experiência última. Há sempre carne, sangue, paralisia, espelhos, estilhaços... Impossível a indiferença, para o bem ou para o mal.

domingo, 2 de agosto de 2009


«Ain't got nothin' to fear. You're being robbed by the john dillinger gang, that's the best there is. These few dollars you lose here today, they're gonna buy you stories to tell your children and grandchildren. This could be one of the big moments in your life. Don't make it your last.»

John Dillinger, em “Dillinger”, John Millius, 1973


Para além da construção mítica que varre todo o filme, impressionou-me a raça, a impetuosidade e a fúria com que John Milius pensa, filma e monta a violência – principalmente as cenas de sangue e armas mas as outras também. Dito isto, e visto isso, chego à conclusão de que, salvo pouquíssimas excepções, os realizadores americanos que hoje em dia se propõe a tais coisas só fazem cócegas, são meninos do coro protegidos pela possibilidade de utilizar dezenas de câmaras, de seleccionar e não de montar, não de realizar.