quinta-feira, 27 de dezembro de 2012


Muito aconteceu ao homem de Edward G. Robinson no “Scarlet Street” de Lang para os berrantes néones que lhe furam o quarto de hotel onde ele poderia finalmente descansar, se transfigurarem nas luzes do inferno. E respectiva banda-sonora que o vai pôr a deambular para o resto dos seus dias em campos do além.

Só alguém tão severo como esse alemão em americanas terras para conseguir que esta sequência esteja impregnada de maior carga de terror e fatalismo do que a anterior, a da execução entrevista, obtendo assim um choque entre os não vistos e o em campo, o calado e o martelado na cabeça que estoura qualquer medidor de ondas de tortura. A montagem foi inventada para vida e morte, luz e sombra, silêncio e barulho, longura e proximidade, Deus e Diabo, entrarem em confronto, medirem forças, se travarem de razões. Detonações jamais vistas. Desde Eisenstein e desde Griffith, sangue complementar, que ninguém mais assim o soube. Nada a ver com remendar historinhas, selecionar mil ângulos inúteis ou as tão propaladas competições de softwares.

O dito homem de Edward G. Robinson matou a imagem viciada que não consegui aguentar da imagem pura da rapariga jovem com que sempre sonhou. E como na arrevesada porque animalesca moral de “Fury”, EGR pelo que não domina ou insiste em não dominar, ressurge mais fodido e letal do que os carrascos. Deixa friamente morrer na electricidade o outro lado do mal para tentar exterminar a grande abstracção diabólica que o encontrou, para, para que tudo se torne mais intricado ainda e o móbil deste homem sem prespectiva seja realmente o da não-aceitação da História. Nem da pequena, nem da grande. A culpa e o medo decorrem do ciúme, afirmação, vingança, reposição.

Assim como a história do cinema está criminosamente mal contada, aparecendo John Cassavetes no arco espezinhou-se Kent MacKenzie, entre mil e um exemplos possíveis, a coisa do “autor” segue o mesmo caminho. Cinema. Pintura. Imagens. Sons. Movimento. Paralisia. Vida. A obra de arte, criação própria, pode matar quando como diz o pintor encoberto ou apagado, é feita da mesma maneira como se ama alguém, seguindo o mesmo impulso e logo o precipício. Subvertendo-se esse investimento, invertendo-o, enganando-o ou iludindo-o, o preço a pagar pode ser caro, pode ser o plano final, ponteiradas ao cérebro e todas as impossibilidades.

Faz-se alguma coisa por um amor e por uma necessidade inexcedível e não explicável e ela jamais pode ser violada como o foi em “Scarlet Street”, o que julgamos ter a mão de alguém pode não o ter - a História como ficção – a marca registada do grande cineasta pode ter sido impressa desapegadamente pelo assistente de segunda unidade e muitos terem comido à boca cheia. Mas quando toda a justificação de um outro para existir se racha alheiamente como rachou Joan Bennett no momento em que transformou o choro em riso, ou EGR o transformou por ela, quando toda ela não tem correspondência e por isso uma verdade, encontra-se o plano final. Mil vezes mais perfurante do que infinitos picadores de gelo.

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