quarta-feira, 16 de julho de 2014


I don´t Know. You do it by instinct. I mean, here´s a river and a tree and in the background mountains and over there flats, so you shoot the prettiest.You shoot what would look best on screen. Experience, instinct. That´s it.

JF

sábado, 12 de julho de 2014

 
 
Por “The Racket” rodopia muita mentira, muita corrupção, mascarada, remoinhos armadilhados e visões turvas, em compromissos e subversões de que esta raça nunca se irá livrar, teia funérea onde um ou dois loucos que detestam tudo isso fazem figura de atrasados. Produzido no início dos anos cinquenta por Howard Huges para a sua RKO é um pequeno tabuleiro de relações humanas e de crenças que se vai complexificando na sua naturalidade, no seu quotidiano apanhado pelo rosto, presente fatal sem efeitos de espectáculo que não os do piso com as pulsões combinado. Começa e acaba na mesma rua, sem dar para perceber o crepúsculo e a aurora, e parece durar o dia da eternidade. A narrativa ou a sua confusão não é o mais importante, sim o que teima em manter-se de pé quando tudo resvala à volta. Tratado sobre o medo, o indestrutível tronco Robert Mitchum é o homem de qualidade acompanhado pelo fiel – há sempre alguém que acompanha – Johnson de William Talman, esses que sabem que tal condição se paga com o esquecimento. Esquecimento dos amanhãs, das mulheres em casa, dos filhos, da paz. Ruptura com a danada da vaidade e do outro orgulho. E o mais bonito de tudo é a cantora loira que aparece como a fatalista de um noir, aquela que vai desferir todos os pesadelos, suores e clamar a gadanha da morte, e que progressivamente tem a sorte de se meter com aquilo que sempre lhe deu asco, a honestidade. Então o azar que sempre a acompanhou cai e tal mancha consegue ver a luz que ilumina a sua parte adormecida do bem e do amor, naquele tipo de despertar e salvação que vale a teimosia de manter a humanidade. Numa obra discretíssima que faz disso e da ambiguidade e segredo de raros a sua força, onde o principal creditado na realização é o respeitável John Cromwell, gostaria de acreditar que onde Nicholas Ray (no primeiro encontro com Mitchum mais ou menos pelo tempo de “Macao” e com o mau Robert Ryan, em que apalpou terreno para os pungentes encontros futuros: Mitchum tentaria regressar a casa outra vez em “The Lusty Men”, Ryan queimar-se-ia cada vez mais na sua dilaceração interior rumo a uma ascese delicada nas noites e nas neves de “On Dangerous Ground”) meteu a mão foi na parte em que tudo começa a tremer e então urge a decisão. A violência das decisões. Vence o absoluto do efémero, esse no qual Mitchum coloca em dúvida o descanso de uma suposta vitória pois no dia seguinte volta tudo novamente. Tudo novamente… Depois de ter discorrido sobre a justiça, essa que tarda pois muitos lhe fazem frente, estando assim a discorrer sobre o centro de tudo o que importa, o tempo. Tão forte como a magistral e atónita cena em que a porta se fecha na cara da esposa de Johnson para o encontrar sem vida. Johnson que morreu no mais elevado dos altares, para o parceiro, mulher, criação. Duas cenas que rimam como a abertura e o fecho a que já aludi, nestes eternos-retornos onde permanece quem acredita.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

 
 
Numa parte dos filmes de Frank Borzage vem ao de cima (ou muito por de dentro) um certo anarquismo, um certo niilismo, perto de uma certa tontaria, que parece muito suavemente e silenciosamente possuir os personagens. Quase sempre os pares, o homem que ama a mulher incondicionalmente e vice-versa. Em “Little man, what now”, o precursor que já contém tudo o que se agravará em “Three Comrades” e “The Mortal Storm”, Margaret Sullavan e Douglass Montgomery sabem que a suposta pobreza é a indubitável riqueza, e assim vão alegres pelo mais precioso demagogismo que salva e é justo. Como dois tontinhos, dirá o são. Portanto, em todo o Borzage o anarquismo ou o pacifismo (tinha dito niilismo ali em cima) ou a tontaria é a liberdade protegida pelo amor, e não é por aqui estarmos em terrenos ideologicamente totalitários que tudo tem mais peso ou elevação temática. Os dois pobres continuam com o maior dos luxos que é a protecção mútua e a certeza da paixão, do caminho, enfim, do primeiro olhar encontrado, e assim jamais alguém lhes fará mal; a luminosa Sullavan, a angélica de outro mundo que não o da sujidade, criatura que voa com o leve sopro Sullavan, oferece a comida dela e a do marido pois tem pena dos que como eles não têm, e o marido ao notar que só tem ar para comer ri-se para ela, beija-a e abraça-a sem amanhã; à beira do precipício Montgomery ainda escuta os tambores da dignidade e dos ensinamentos claros da infância e prefere o despedimento à perpétua condição que rebaixa infinitos; para não insistir, outra vez toda a obra deste Homem bom, em beicinhos limpos antes dos beijos na orelha e das telepatias plenas que quebram todo o tempo e todo o lugar no “I've Always Loved You” sem freios; e aparecem os aliados caídos do céu que alguém não da terra lhes mandou ao caminho, o locatário desprendido e o colega que se lança a patrão sem pose, e tudo acaba num raio de esperança e de acreditar não importa como que tanto ainda tocará espíritos disponíveis como fará rir a bandeiras despegadas as chamadas audiências adultas.
 
Não é propiamente a política conforme ou o escancarar neste caso Alemão que vai tornar tudo mais polifónico e compósito, FB vai na chamada abstração obsessiva que um dia Truffaut escreveu a propósito dos modernos Bresson e Nick Ray para fazer os dias de hoje saberem que grandes fossas onde se tentaram colocar os grandes valores continuam a agigantar-se e a cheiraram mal de uma forma camuflada. Sendo assim muito mais radical do que o chamado género cinematográfico da denúncia ou do panfleto. Tão radical como as peças musicais de muitos minutos a fio e de planos cerrados e esvoaçantes que em “Song o' My Heart” continham todo o Straub/Huillet. É ver quando o poderio patronal prefere as comissões pantanosas aos salários fixos e mete pela primeira vez Montgomery a chorar de raiva e a ceder à humilhação a que se diz que os da não-ilusão argentária não experimentem – abram hoje um jornal de empregos, ou vão a um net.qualquer coisa da mesma pandilha, e vejam a jorrante oferta enganosa para batedores de porta e enfatuados bem cheirosos com todos os truques do universo na manga, cães de fila assanhados a morderem cada carne ou a venderem pai e mãe e árvore toda, pobres jovens que no seu primeiro trabalho de férias já se mancharam para a vida e para o túmulo à custa dos cheques e da plaqueta de comerciais. Ou aquelas partes de periódicos outros em que supostamente se promovem corpos com corpos, homens com mulheres, homens com homens, mulheres com mulheres, pele à pele, onde nem são precisas falas para todo o prazer do mundo explodir – nada contra prazer ou explosões, relax ou animalidade, mas comparem-me a fibra ou a superfície de uns e de outros na cena em que os opostos se encontram à mesa, a estética que advém do acordo e a ética que saí da entranha. Ambas as práticas chegaram às linhas telefónicas que não se animam magicamente como as do telefonema de Taylor a Sullavan no Comrades, mas que de erótico e de monstruoso se aliam para serem indestrinçáveis nessa letalidade cobarde - seguros, telemóveis, sexfones, enlaces. Violações, ou vícios, pecados, ou desvios para não ser eu o radical, antigos, primeiros e últimos, que aqui são paralelos ou se imiscuem nas mesmas camadas da bondade, e que são humilhados numa firme posição que para uns pode ser inocente mas para alguns, talvez muito poucos, vale o percurso, a caminhada, a insistência, a batalha fundamental. A vida. Entre o choro imponderável do que não ousaríamos confessar e o gozo fácil a patetas crentes, a evidência projetada para a frente e para dentro, que é a luz irrepetível de uma certa arte, que é uma certa alma. A brilhar imponente e vacilante como uma vela que fura o escuro mais do que escuro a que se costuma apelidar medo, e que não se apaga até ter dado tudo. Deve ser assim para lá das estrelas.
 
De prenda para os que não viraram o rosto e a sensibilidade, o tal espelho triplo que é tanto oferta babada do marido para a beleza que contém a beleza milagrosa no ventre, como a do cineasta à beleza ela mesma. Beleza que alguns jamais aceitarão ferida. Espelho que nos permite ver três Sullavan´s mais e estarmos assim prontos a declarar guerra ao barulho e ao oponente que escorre pegajoso. Ou melhor, o milagre da desmultiplicação. Para tudo fechar com o rosto alvo e descansado do bebé. Ali onde se disse que estavam à beira do firmamento. O Cinema que ensina (ia a dizer avisa) a vida. Para lá das estrelas.

quinta-feira, 3 de julho de 2014



After all any man says, it's what he does that counts.

Gary Cooper para Susan Hayward no inesquecível, companheiro e finalmente tão luminoso "Garden of Evil" de Henry Hathaway. Nem rugas, atrito, secura, poeira, golpes na carne, no coração, rectidão, consentem miséria, autocomiseração, pena. Por aquele jardim, todo o horizonte, certo e errado resgatado. Cura e carinho dos raros demais. Porrada sem freios e a mão estendida do próximo. O reconhecimento eterno com as promessas de casa. Pela breve e indecifrável luz da aurora. Até ao fim.