quinta-feira, 17 de março de 2011

Lino Brocka

"Jaguar" chegou-me das Filipinas, realizado por Lino Brocka em 1979, filme meio perdido no meio de uma extensíssima obra. Sem saber muito, nota-se que é cinema popular, no grande e nobre sentido da palavra, extraído por uma oleada máquina que já com certeza fazia aquilo de olhos fechados e que por isso queria sempre mais. Mais pequeno, maior, explosivo, intimista, obsessivo.... Porque se falo em popular falo também em íntimo e minimal, que é o que se passa na história de um segurança que por cultivar a verdade e a honra até aos limites- salvo por causa de uma mulher, e por certas mulheres Brocka e muitos sabem que é impossível... – se vai deixar afundar numa teia de crime e violência que o levará à cadeia, depois dos seus minutos de ambígua fama por causa da dita mulher. Brocka não anda com atitudes de antropólogo, não anda com amarras formalistas e por isso mesmo podemos aprender mais do povo e da paisagem filipina da época, com a tal potência e sinceridade que a ficção e a pertença podem imprimir, do que com qualquer "especialista sociológico" que lá decidisse ir . Tocantes as cenas do bairro com todos esses reflexos dos charcos e esse barroquismo das formas arquitectónicas, esse cheiro das temperaturas e das cores, a multiplicidade de seres e de costumes. Interessa-me a câmara de Brocka, interessa-me a velocidade lenta do seu ritmo. Turbilhão ao ralenti. Câmara nervosa, por vezes eléctrica nas sequências de pancada ou de pulsões fugidias e incontroláveis, visceralmente física, atenta aos pequenos pormenores essenciais, passiva aquando das respirações e apaziguamentos humanos, contemplativa e compositiva na beleza do sexo ou da despedida. Hitchcock dos pobres é o que se pode dizer da cena em que o personagem principal foge rua fora depois do seu crime, num plano longo e inesperado no meio da obra, quase de ruptura, fazendo evidente trouvaille com a sequência de precisão de desenho animado do Cary Grant de "North by Northwest", como disse João Bénard da Costa a propósito deste Hitch. Pobreza volvida em força e em espanto, evidentemente. Logo outra coisa. Têm a lucidez de se camaleonar na singularidade de cada cena e de cada lugar e de cada emoção, por isso a extrema sujidade da sequência da fuga à policia, com uma Ciminiana sujidade e com aqueles fogos violentadores da película e das suas normas que parecem saídos de "The Deer Hunter", ou o hipnotismo da explosão final de um homem, hipnotizante montagem da perdição que chega por um isqueiro e pela sua movimentação de perder de vista, literalmente, bela metáfora e retenção do vertigo e da desorientação em que se deixou apanhar. Duro e frágil, cortante e no fio da navalha, directo e de distâncias compreendidas ao mesmo tempo, ríspido mas também terno e muito humilde, Brocka é um cineasta que me interessa muito mais do que quase todo o cinema filipino das modas de hoje em dia, aquele que faz a delicia dos caçadores de exotismos e do "novo".

1 comentário:

tf10 disse...

Muito curioso é verificar como a histeria pelo "cinema filipino das modas" e o acordar para um cineasta como Brocka (só depois desta vaga do cinema filipino das modas), são fenomenos tão similares! Manifestam uma essencia serôdia da mesma ordem de grandeza!