segunda-feira, 29 de dezembro de 2014
sábado, 27 de dezembro de 2014
"Panic in the Streets" está carregado e condenado com bufos, canalhas, delinquentes, vadios, espertos, párias, etc. Com uma peste que não é só a clínica que despoleta a intriga. Mas também se pode sentir que em tanto caso não é só maldade mas também desamparo, sem-saída eminente, desilusão; sentir que alguns desses imorais são bem mais honestos do que a inteligência autorizada. O vulto vertical, a estátua arrebatada do Clinton de Richard Widmark, imparabilidade que não pode adormecer ou morre - e quando adormece em fade para uma elipse sonhada é quando tudo se decide na encruzilhada da sua casa que o faz mover fora dela, num momento de uma pureza Borzagiana que reconhece grandeza e amor sublimado ao outro - vai correr cada cara de uma cidade inteira para resolver as coisas como devem ser e não com a mentira da publicidade e da evasão fácil. Num redemoinho onde todos são conservados dentro das bordas da perdição, é no momento mais lúcido e surpreendentemente pungente que o tal doutor descobre que ela (a danada perdição) é interior e todos a conhecemos. Num filme (num filme mundo) onde sem metafísicas ninguém consegue fugir, ninguém encontra portos seguros longínquos ou amanhãs de recomeços, o sentido de comunidade é estendido a toda a terra. Toda a terra. Assim, cortantemente, a moral: as coisas resolvem-se onde se têm de resolver, dentro das portas e sem as fugas e fúrias da cobardia (alguma da farinha do Spencer Tracy de "The Sea of Grass" já fazia parte deste odorífero e sufocante saco; e repare-se como começa Dana Andrews a acreditar no condenado de "Boomerang!", isto é, antes da investigação a ferros tirada, antes da salomónica clandestinidade). É um kazan de 1950, quatro antes de "On the Waterfront", e se o medo é capaz de vergar o mais inquebrantável, a permanência, o olhar convicto e a descida aos infernos do turbilhão pessoal vislumbram a revelação. Estes nunca se aninharam, jamais se fizeram fáceis pródigos ou espertos com causa. Em placas plangentes se torceram e estalaram, nas misérias e nos lodos bateram mais forte e se inteiraram até à casa arrumada final da cabeça levantada e do coração estripado. Pulsão da incompletude destinada e a luta com a claridade efémera. Luta... luta...
sexta-feira, 26 de dezembro de 2014
Em "Pinky" começa por ser a pele e a carne que ordena, a instituição, o mito. Depois, pela persistência e pelo ajuste de contas mais antigo e sanguinolento do que o supracitado testamento, tudo começa a retroceder até à nudez, ao pó e osso. Passa-se a olhar para os vazios, plana-se no etéreo suplicante, atinge-se o espírito amainado. Impõe-se, à força de vencer a morte, a eternidade. Olhar nenhures, suprimir o nada, chegar ao absoluto sintético da crença. E todos os seres, lugares, ideologias ou politicas ficam sem referente. Cinema é imprimir toda a vida no mesmo rolo - recuperar as coisas perdidas e impossíveis, apreensão divagante e precisa: a criança tão cansada aos ombros heróicos do pai, o colo primordial do seio, redenção do derradeiro abraço sem aviso, as olhadelas para o leito seguro, os olhares e revirares das vigílias e dos sonos vigiados, diálogos sem palavras, salvação mútua, a ascensão sempre nova do astro matricial como os declinares em sombras nas marcas gravadas na parede e na recordação; tudo o que o tempo diz que não é suposto possuir duas vezes. Uma última olhadela, só mais uma, e a eternidade. Elia Kazan recupera tudo isto e o seu movimento, a sua duração, quimérica - apelidado lirismo. Mas não, não é o lirismo forçado e escrito, sim aquele que rasga e resgata da treva arrumada. Kazan precisou do "long shot" de John Ford para apelar e conservar o sacral, aquilo que fica depois da passagem permitida. Aos grandes, pois desamarrados da época que só nela escavaram, foi-lhes permitido isso. Explodindo a tremedura exterior que larga do interior insondável. Deve ser esse o "método" fundamental dele e dos seus outros.