sábado, 15 de março de 2008
a distância...
É filme que escapa a qualquer classificação, mesmo defini-lo como Épico sobre a construção da América, do óleo, da dualidade dinheiro/religião, saga de hum homem egocêntrico, decidido, sem meias medidas e bigger than life, é escasso…
Porque é tudo isto e pode não ser nada disto…
Ainda estava para me recusar a usar a palavra obra-prima, porque ou não tinha a certeza disso ou poderia pecar por escasso – há nomes, poucos, no cinema em que isso acontece…
Depois pus-me a pensar e acho que estou do lado de Slavoj Zizek (neste ponto), ou seja, contra as meias medidas pós modernas – “as coisas são ou não são”!
Portanto são!
Não vou escrever lindo, apenas o que pensei ao assistir ao filme de Paul Thomas Anderson.
Também não concordo nada com o Vasco Câmara quando fala em Épico em miniatura, é verdade que custou pouco, mas são os mais de 100 milhões de dólares de Ganges de Nova York, de Scorsese, que em comparação com o scope de Paul parece casa de bonecas.
Sendo um filme profundamente Americano, sem dúvida – na paisagem fundida com o homem, na personagem mais do que ambiciosa, imoral, nos fundamentos do país, na ganância colectiva pelo dinheiro e poder, etc…
Mas passou-se que em termos de dramaturgia pura o que me lembrou mais foi o cinema de Mizoguchi, estranho? Para mim não, têm a ver com a sublime distância que Paul adopta na posta em cena, uma distância que só recorre ao grande plano no momento justo; têm a ver com as dissonâncias do som, que aqui é muitas vezes completamente esotérico, desfasado da imagem – como em tantos filmes do Japonês, sendo o cúmulo, talvez, Sanshu Dayu – e que faz nascer matéria estranha, destrói academismos épicos, e faz passar o filme para outro lado.
Outro lado precisamente.
Ou seja, é a distância que o travelling proporciona, para chegarmos ao rosto no momento das explosões e das tragédias.
Depois sim é muito americano, e sempre estive reticente, antes de ver o filme, em evocar Welles. Mas não haja duvida, desta vez não é só o lado mágico que faz lembrar Welles, o gesto aglutinador de todos os gestos dos grandes americanos (de Altman a Scorsese nos filmes anteriores) sim toda a ascensão e queda, até ao vazio no tudo em que acaba o homem que é o centro filmico, pois é esse para mim o centro que importa ao filme.
Não é o óleo, não é a dualidade do dinheiro com a personagem de Dano, não são os oleodutos nem os comboios (por aí era o Peckimpah e os outros crepúsculos) – é sim a monumental raiva de um homem, raiva que tudo avassala, que tudo leva á frente e que acaba por justificar o titulo na maior das demências.
Interpretação de tudo ou nada, dali não se sai.
É também profundamente americano na fusão da paisagem incomensurável, desmesurada que comporta os gestos dos homens – a cena da explosão, em que todos os homens do petróleo são colagens de fundo, mais que frágeis, e em que Day Lewis é agigantado pelo ligeiro contra picado e pela sua aproximação da objectiva - é puro Ford.
É desequilibrado? Completamente, brutalmente, totalmente – desequilibrado como os melhores Scorsese, implodindo a cada instante. Repare-se na banda som, a mistura entre os acordes de Greenwood e o classicíssimo de Brahms ou Pärt, é revelador.
O que não quer dizer que não seja perfeitamente concreto e condensado na “mise en scene”, volto a Mizoguchi citado por Serge Daney: “tomada de campo, literalmente e em todos os sentidos.”
Depois Anderson conserva, no meio deste universo, uma espécie de amadorismo á socapa, a exposição incorrecta da película, como tantas vezes aconteceu nos filmes anteriores, é marca e ironia, é gozo de génio.
É tudo grande, embora o intimo, Day Lewis de rasto, por exemplo, seja precioso.
E mais não digo porque não é fácil.
Sem comentários:
Enviar um comentário