segunda-feira, 7 de abril de 2008

Cassavetes

O que acontece quando se assiste a seis filmes de Cassavetes seguidos? Melhor, com que sensação se fica, foi assim tão fundamental, foi o Pai do underground em New York e particularmente do cinema independente tout court?
Tenho sempre que qualquer coisa como o Pai do cinema independente, não está em Fuller, em cassavetes, em Jarmusch ou noutro qualquer, nasceu sim com o cinematógrafo – são os Lúmieres.
Fundador da cena do cinema em New York? Seria redutor.
O que existe então? Vou ser bastante breve, se possível tão como a violentação da máquina no seu primeiro filme.
Os filmes foram os seguintes: Sombras + Uma mulher sob Influência + Rostos + Morte de um Apostador Chinês + Noite de Estreia+MINNIE and MOSKOWITZ.
Desde Sombras que se nota uma clara influência da Nouvelle Vague inicial, mais para o lado de Godard e Truffaut, na leveza da técnica, na fragmentação geral, a narrativa dispersa e desequilibrada, etc…
Existe a tal tentativa de captação de uma suposta verdade não maquiada, a inserção no Cinéma vérité, a la Rouch, com a pequena câmara de 16 mm ao ombro, mais captação do instante que esvanece que encenação.
Pensemos por exemplo na Mulher sobre influência, já a cores, toque artesanal, granulado, por vezes á beira do amadorismo prepositado, carregadíssimo de improvisação, som áspero, a maior parte das cenas filmadas só com a master shot – muito raro o pormenor, muito menos o insert – sempre á beira do precipício ou da diluição. A mesmíssima coisa com os outros filmes.
Só mesmo Noite de Estreia, alto exercício expositivo, é que a coisa passa mais para palco – não só por lá estar o palco de teatro, literalmente – ou seja, o dispositivo torna-se mais sereno, menos consciencioso dos sinais, mais propicio a outra coisa.
Não me interpretem mal, gosto bastante de Cassavetes, muito mesmo – a fúria sanguinária de reinvenção, o estilhaçamento de qualquer conceito, o “deixar entrar vida” no convencionado, toda uma visceralidade quase musical da banda-som.
Mas não concordo com o João Canijo e acho mesmo que o Godard sempre foi mais importante, mais crítico, mais fresco e radical.
Mas há uma coisa absolutamente fundamental que guardei para este ponto, e que quanto a mim não têm par no cinema das pulsões: a improvisação, o jogo entre a câmara e os actores, no campo contra-campo inexistente, sempre á beira da ruptura, do rebentamento das fissuras - tudo isto confere aos filmes uma constante vibração derivadora das nuances e das gradações de cada take singular.
Ao invés da coerência Cassavetes trabalhou para a captação de todas as pulsões originárias, impulsos, nervos, raivas, etc…
Um mais um e vamos dar, junto com Kazan, à influência máxima de Scorsese no que ao jogo dos actores diz respeito. Desde o primeiríssimo filme até ao último – onde o ponto máximo em que tudo parece estar pronto a demolir o próprio filme, é New York, New York- Martin trabalhou sempre para captar a falta do ponto de vista uno da vida e da sua constante instabilidade, ou seja, contra a tal lógica ou harmonia que a velha Hollywood tratou de cristalizar – outros casos aparte evidentemente, e Kazan e Ray são os maiores, Cassavetes e depois Scorsese foram pelo caminho inverso.
Para eles é sempre mais importante o que está dentro.
Tenho então para mim que Cassavetes não mexeu nas formas, mexeu sim, decisivamente, na encenação dentro do quadro, na carne, cigarros, sangue, etc…
Importantíssimo na cena de finais dos anos 50, incomparável na encenação dos actores, mas é decisivo evocar outros grandes nomes – Milton Moses Ginsberg é o caso mais radical, tanto como Warhol, Anger, etc…coisas que deveriam estar editadas.

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