segunda-feira, 21 de abril de 2008

My Blueberry Nights


Antes de tudo: belíssimo filme. Não compreendo, sinceramente – também não é que me interesse muito – as criticas que têm sido feitas ao Wong Kar Wai versão U.S.A. Mas há várias coisas que são verdade: não me lembro de ver assim filmada, uma América nocturna e os seus espaços míticos, de uma forma tão escorregadia, tão húmida, romântica e desencantada numa mesma velocidade – o que equivale a dizer, a várias velocidades.

Raramente um grande cineasta mudou de continente, e, adaptando todas as suas marcas ao filme criado – as cores puxadas e esborratadas, a câmara a captar por detrás de superfícies ou objectos, as tais celeridades dramáticas, a montagem solta, a irrupção serenamente arrebatadora da musica...ou seja, tudo o que aconteceu e fez escola pós Chungking Express – Wong consegui não só fazer um filme ultra apaixonado e ultra desiludido, mas também uma grande critica a todos os produtos “semelhantes” que se produzem lá pelas Américas.
É a velha questão do grande cineasta de Fallen Angels: o que distingue as suas imagens, a forma como elas se apressam ou se fazem lentas, a maneira como se ligam, dos anúncios publicitários ou dos filmes de um qualquer wannabe? É o peso que Kar-wai confere ao meio e aos seres que o habitam, a forma como lhes insufla de pulsões e assim desprende os seus filmes dos anúncios dos perfumes ou dos filmes bonitinhos. Uma gravidade quase cósmica que torna cada plano, cada cor e cada corte essenciais à dramaturgia. E depois continua a esconder, a esconder muito, uma arte estranhamente misteriosa, feita com os curtos travellings da câmara e com a montagem fragmentada, quase elipse dentro do plano. O tão propalado beijo de Jude Law a Nora Jones, com os restos de mirtilo nos lábios, é tão discreto e cheio de ternura que quase passa de lado.

Também se escreveu bastante que as personagens falam muito, que nunca nos seus filmes elas falaram tanto, mas a razão é simples – falam muito porque estão na América, caso contrario a caricatura seria grotesca.
Mas um dos mais fascinantes links são os planos de transição ou de arrebatamento, os metros, as estradas, o céu, etc…na América como na China.
Renoir, Lang, Hitchcock, só para citar grandes cineastas, foram para a América e, uns com muitas dificuldades, outros com liberdade, fizeram coisas grandiosas. O cineasta Chinês teve toda a liberdade e não só continua o seu percurso como deixa uma lição, um petardo para toda uma geração que se inspirou nas suas rupturas. Fascinante, e Nora Jones e a sua carinha graciosa…bem, o máximo do romantismo.

5 comentários:

  1. Estou muito curioso para ver o filme.

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  2. Estava receoso em ver o filme visto ser o 1º dele nos EUA mas depois das últimas criticas, incluindo a tua e a do Tiago, também estou bastante curioso em vê-lo.

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  3. acho que a reavaliação pós Cannes está a acontecer um bocadinho por todo o lado - no Brasil, por exemplo - o que na minha opinião está completamente correcto...

    Cumprimentos

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  4. Eu acho que o filme tem um problema sério na medida que a filmografia do Wong é tão ligada ao peso de que Hong Kong como espaço e história tem sobre seus personagens (a ponto de no seu primeiro filme estrangeiro a ausencia dela acabava sendo central para o filme) e que a relação que ele estabelece com os EUA acaba sendo tão exclusiva com uma america mitologica que o filme não tem como não girar em falso um pouco. Agora, de certo, ele não merece a reação negativa histérica que aconteceu em Cannes.

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  5. Concordo com tudo o que dizes. Para mim é o melhor filme do ano.

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