Revi outra vez Heaven's Gate do Cimino, aquele que é facilmente o melhor filme dos anos 80, pois claro. Pronto, o melhor junto com o They Live do Carpenter e o Year of the Dragon, curiosamente, ou não, também do maior cineasta americano surgido nos anos 70.
E então que achaste?
O que achei? Bem, o mesmo que achei das outras vezes, mas desta vez ampliou-se em mim um sentimento de gravidade que nem sei muito bem como explicar.
Diz lá, diz lá…
Bem, aqui há uns meses lembro-me de ter escrito que era a maior coisa que o cinema tinha produzido depois de John Ford. Pelo sopro épico e trágico, pela coragem e ética na maneira como se explora e dá a ver a História de uma América que foi realmente uma história de sangue. Pela forma como Cimino utiliza as escalas, deixa perpassar luz pelos céus e pelas brechas e pelo modo inaudito como enclausura, brutalmente, as personagens na sua mais feroz escuridão. As cenas na cabana, por exemplo. Bem como os movimentos de câmara e os ângulos mais desmesurados e mais hieráticos desde o bom velho Ford.
Muito bem, mas não achas que a sua mega….
Esquece, isso é treta tão marxista como fascista. Deixa-me só partilhar isto. Há uns tempos, numa Fnac bem famosa, não foi em Portugal mas isso nem interessa, peguei no livro do Jean-Baptiste Thoret sobre o cinema americano dos anos 70.
Nem o comprei pois a vida está difícil meu amigo. Mas bom, as últimas largas páginas são dedicadas ao melhor filme dos anos 70, The Deer Hunter. E não é que o homem põe-se a tecer uma inacreditável e fabulosa comparação desse filme com o 7 Women do Ford, o mais Mizoguchiano dos filmes do mestre e, já que estou nesta, o melhor filme dos anos 60…
Fiquei banzado, como diz a personagem do Catcher in the Rye. Resumidamente ele diz que o filme do Ford é a maior das metáforas a uma América fechada em si mesma, hermética e vitima das suas politicas, das suas atitudes. E logo faz a ponte para o filme de Cimino. Uma e a mesma coisa – e mais coisas que já se varreram da memória – e estava traçada a heritage.
Percebes meu amigo, percebes…no Heaven's Gate vamos ainda mais longe, mais fundo, mais literalmente sobre o temperamento destes homens, da sua fasquia moral e do seu negrume.
E o que foi que se ampliou em ti desta vez…
É um pouco difícil explicar, mas, merda, foi tão forte que quase não suportei, e aqui lembrei-me, mais do que Ford, do Leos Carax e do Pedro Costa. È aquilo a que o Carlos Melo Ferreira chama de arrebatamento lírico em Carax. Mas a pose e o heroísmo está mais nos ângulos de aço do Costa e da pose do Ventura, mas também na do John Wayne.
É um lirismo que dói, algo que se solta da humidade e da quentura opostas naquele mundo. Humidade de veludo naquelas casas, uma ardência estranha nos comboios e nas caminhadas da carroça. Lembraste-te quando a carroça caminha contra o fundo que é o rio? É como ferro quente na água gelada, ou se quiseres ir para o cinema, é como um qualquer actor do Ford num contra-picado apontado ao céu ou à neve.
Como te disse é coisa difícil de transpor por palavras, são ambiências, temperaturas e climas, dramaturgias se quiseres, representativas de uma certa ideia da América mitológica e onde o sonho de me transportar é imediato, mas…a impossibilidade e a razão é imediatamente imposta, portanto…percebes-te?
Não muito, mas…
E podia-te falar de mil e uma coisas inadjectiváveis, mas reforço a ideia de que a cena do baile inicial é um dos maiores milagres de ritmo e découpage da história dos filmes. É Ford e Visconti reinventados, e mais não te digo, aluga e diz qualquer coisa. Mais palavras são francamente desnecessárias, a não ser para dizer que Isabelle Huppert é verdadeiramente o milagre feito mulher, quem disse mal dela deve ser…
Ok, Ok…tu lá sabes, e o Coppola e o Spielberg, ahh…e o Ridley Scott do Gladiator e do Kingdom of Heaven?
Quanto ao último nome nem te vou responder, e tens sorte que não te parte a cara. De resto, eu gosto muito da grandiosidade e do tom operático do Coppola, mas repito, as escalas, ambições e saber são de outra galáxia, bem como existe aqui um acrescento de vitalidade, não só no sentido de fresco, mas de deixar entrar vida e respiração (Pedro Costa lembras-te…) que não noto tanto no Francis.
Quanto ao Spielberg, as suas tangentes ao género são tão cinéfilizadas, tão estetizadinhas e pastosas que também não há conversa. Estamos conversados.
Heaven's Gate, They Live e o Year of the Dragon, os melhores dos anos 80.
ResponderEliminarescolhas pouco consensuais, com as quais concordo em absoluto!