Mas desta vez a opção e o timing acabou por jogar a favor, ou seja, já há mais de um ano que não frequento qualquer aula de estética, de sociologia, ou de história da arte – ou de qualquer tangente ao género, é tudo igual nas "escolas de cinema"… – por isso já só me lembro, vagamente, das simplíssimas referências a este filme como oportunidade para sustentar/inventar discursos pós modernos, anacronismos rompedores, legitimações autorais, espaços privilegiados do objecto artístico, etc…etc…e etc. Atirar para a mesa Wittgenstein, Goodman, sistemas estéticos e demais…misturar com as famosas all stars que brevemente aparecem em plano, o leque a tapar a nudez de Kirten Dunst, as variedades de bolos coloridos, as ousadias pop ou a já referida profusão musical – dos New Order a Bow Wow Wow – e meter tanto asco, mas tanto, que deixa de haver vontade de ver o filme.
Que é um filme perfeitamente em consonância com a anterior obra de Sofia e com os seus gestos – o desajustamento entre corpos e mentes em relação aos espaços e tempos, a fixação no individual dentro do bastante geral (Versailles/Tóquio), uma espécie bastante sensível e ao mesmo tempo desprendida de lidar com o existencialismo e com o lugar e a função pessoal, bem como um olhar e uma construção – e neste caso não com uma releitura mas mais com uma apropriação – atmosférica, difusa e fugidia sobre a matéria, as convenções e as formas.
O que dá muito bem para perceber que tal atitude, para com uma História (ia dizer para com a França, mas as reacções gerais talvez não permitam particularizar), para com as normas, as expectativas e mesmo para com os valores em causa, daria para o torto e seria mal interpretada.
É o percurso de uma rapariga e de um filme que começa numa inocência – como aquele amanhecer austríaco – e vai progressivamente e perversamente escurecendo, impregnando-se de malvadez, mentira, entrando em perca…como alguém, ou como uma humanidade, que cresce e se apraz na sua própria contaminação e destruição. Logo os crepúsculos que irrompem e que traçam a fatalidade do destino.
Então, uma linha conturbada que distantemente e em eco possui a gravidade de Ophüls, o desespero de Antonioni, mas logo, intimamente, a atitude de Sofia. Os tais anacronismos e símbolos que nada mais, a não ser portentosos momentos de cinema, pretendem auferir que não seja um jogo de espelhos, deformantes e não deformantes, com o ontem e com o hoje, bem como desalinhar, destruir perspectivas, confundir, esfumar, amalgamar, etc…
E forçosamente estilhaçar a pomposidade que tão lamentavelmente e erradamente se cristalizou ao género, e, deste modo, chegar mais ao fundo da carne, do espírito e das coisas. Noutras palavras, trata-se de questionar o filme de época à luz do corpo moderno, algo que só este "Marie Antoinette" e Eric Rohmer conseguiram.
Belíssimo.
*venham as 1000 páginas para justificar as famosas sapatilhas americanas...
De longe o melhor texto que li sobre o incompreendido filme de Sofia Coppola.
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