terça-feira, 11 de novembro de 2008



Já tinha realizado dois filmes históricos antes: "La Marquise d'O", em décors reais, e "Perceval le Gallois", inteiramente em estúdio. Sabia que nenhum dos métodos daria um retrato autêntico de Paris. Por isso tive a ideia de inserir personagens reais em pinturas feitas sob a minha direcção, e fieis à topografia da época. Este processo é um dos truques mais velhos do cinema: Méliès foi sem dúvida um dos primeiros a utilizá-lo...
Mas há dez anos, quando eu comecei a pensar neste projecto, a tecnologia digital não estava tão desenvolvida como hoje: se as personagens e os cenários tivessem sido criados no filme, cada camada poderia fazer com que houvesse uma perda de qualidade de imagem. O telerecording, isto é a transcrição de vídeo para película, não era uma técnica muito satisfatória na altura. Hoje em dia estas duas técnicas já foram aperfeiçoadas.

Vi três - "Orphans of the Storm" de D.W. Griffith, que se passa durante a Revolução; "Napoleon", de Abel Gance e "La Marseillaise" de Jean Renoir. Todos estes filmes são admiráveis por razões diferentes. Por exemplo, durante muito tempo, Renoir foi elogiado por fazer as suas personagens falar como se fossem dos anos 30, não se importando com o discurso do século XVIII. Isso é falso, a não ser que acreditemos que a linguagem dos anos 30 está mais próxima da do século XVIII do que da nossa! Griffith também me ajudou a perceber outra coisa: eu estava a pensar como é que iria filmar exteriores, isto é, como inserir as personagens no cenário pintado. Deveria filmar planos-sequência ou contra-planos que tornariam a instalação do processo ainda mais complicada? Ao ver "Orphans of the Storm" outra vez, apercebi-me de que a sua força, a maior parte das vezes, deve-se ao facto de cada plano ser absolutamente fixo. Por isso fiz planos fixos, e planos mais aproximados com uma segunda câmara.

Eric Rohmer

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E depois ainda se têm lata de exaltar coisas como “Speed Racer”, “Matrix” e afins, como grande exemplo de coabitação entre o clássico e o moderno, o velho e o novo, o analógico e o digital.

Que fique claro, a única grande lição neste campo continua a ser "L`Anglaise et le duc", algo tão artesanal e primitivo como Méliès e Griffith, tão furiosamente clássico como a medida e fulgor do romanesco adoptada, e tão moderno como só Rohmer sempre soube ser, desta vez, nessa inserção pelos quadros e técnicas derivantes de Méliès trabalhadas sobre o digital, que o transportam para anos-luz deste nosso tempinho. A maior simplicidade e logo a maior complexidade, Rohmer onde sempre esteve.

5 comentários:

  1. não é por acaso que se diz que Rohmer é um cineasta punk, por essa maravilhosa relação entre o modernismo das técnicas que usa e o classicismo dos temas e das abordagens, basta lembrar o paganismo do Amores de Astree e Celadon e perceber que Rohmer filma só uma vez cada plano e não dá grandes instruções aos actores e que é 'maníaco' por ter um ambiente 100% natural, sem sobras de postes ou cabos de telefone.

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  2. exactamente, o tal "pim, pim, pim", os 3 acordes que o Pedro Costa referiu...

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  3. Caramba, teu blog é impressionante, nunca pensei que fosse encontrar alguém que falasse tão bem de Tourneur, Rohmer, Griffith e Bresson assim, numa sacada só, com tamanha vivacidade e inteligência e, o que é melhor, verossimilhança!

    Puxa, virei sempre aqui...
    Estou te adicionando aos favoritos...

    Se tiveres fotolog, passa em http://www.fotolog.com/pseudokane3 e deixa um recado para que eu te adicione também...

    Juro!

    precisava saber que existem pessoas como tu para respirar novamente...

    Ufa!
    Que ótimo sabor de oxigênio!

    Wesley PC>

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