Confirma-se. É agora que Fincher está realmente bom, grandioso, anacrónico. Não é que não existam coisas interessantes pré “Zodiac”, que realmente existem, mas foi com esse espantoso épico (cada vez mais fundamental na paisagem do cinema americano contemporâneo) que o cineasta decididamente mostrou ao que vinha. Parêntesis: “The Curious Case of Benjamin Button” é, como já muito boa gente escreveu, sobre a passagem do tempo, sobre os seus efeitos, sobre os pólos e os trajectos que este põe em evidência, sobre utopias – isto como centro do filme. Indiscutível e absolutamente tocante e complexo à sua maneira.
Mas o que torna o filme tão imponente, e logo anacrónico, é que este é precisamente o cinema mais clássico, hollywoodiano, lúcido e conciso que é produzido na América, hoje em dia. Claro que pode ser sentido cerebral e frio (não é o meu caso), mecânico e distanciado (sem dúvida, finalmente!), mas, é precisamente estes aspectos que não devem ser confundidos com alguma atitude tangentemente Kubrickiana (e muito menos académica, como alguns ignorantes afirmaram em “Zodiac”) mas sim um retorno a aspectos de “mise-en-scène” que fizeram a glória do grande período do cinema americano. Substitua-se alguma ideia de cinema demiúrgico e compreenda-se esta drenagem de sentimentalismos bacocos (tão longe de “Forrest Gump”) e câmaras a voar, precisamente como compreensão extrema do que foi um tempo e um cinema (a concisão, a lisibilidade, a duração certa, o ângulo justo, o respeito pelo homem, um certo hieratismo, etc.), tudo aplicado a um fundo imensamente triste e temos algo outra vez tão grande como “Zodiac”.
Arte silenciosa e discreta. Dito isto, o filme é um tratado estético, estão ali algumas das imagens mais fortes e pictoricamente ricas dos últimos tempos. Se pensarmos que Fincher continua a filmar em digital, não tenhamos duvidas que numa futura história vai ser o elemento decisivo na viragem (sim, falo em cinema americano, indústria e essas coisas…). Mesmo que não se goste do filme, como é possível tamanho desprezo pela componente estética no cinema, hoje em dia?
Ainda a maior tenção para a personagem de Cate Blanchett, uma daquelas criaturas que Fincher só pode ter ido roubar ao universo de Tim Burton.
Bem, parece que sou o único que não gosta do filme. Só consegui ver o enorme espaço entre as intenções e os resultados produzidos por elas (gosto mais das maneiras possíveis de descrever o filme do que do próprio filme). Insuflado, metafórico, o contrário do "Zodiac" e da sua construção em bisturi. Não vejo nenhuma relação (interessante, pelo menos) com o clássico americano, a mise en scène parece-me decorativa no pior sentido (o decorativo que se quer "significante") e acho que as personagens se perdem na sua condição de "personagens de cinema" duma maneira imperdoável (é-me mais fácil acreditar, e comover-me, com o King Kong apaixonado pela Fay Wray do que em toda a parte da Blanchett velhinha e do Pitt criancinha). Um grande brinquedo, mecanicamente (ou conceptualmente) brilhante, assim como o relógio que anda ao contrário na estação - mas pouco mais.
ResponderEliminarUm abraço.