«Para mim, todas as dificuldades que Orson Welles encontrou no box office, e que certamente travaram o seu ímpeto criador, resultam de ele ser um cineasta-poeta. Os financeiros de Hollywood (e, para ser justo, o público no mundo inteiro) admitem a bela prosa, John Ford, Howard Hawks, ou mesmo a prosa poética, Hitchcock, Roman Polanski, mas muito dificilmente a poesia pura, a fábula, a alegoria, o conto de fadas. Não há nisso motivo para felicitar Orson Welles por ter permanecido fiel a si próprio e por não ter feito concessões uma vez que, mesmo se o quisesse, ele não poderia agir de outra maneira. Cada vez que ele diz “Acção” transforma a vil realidade em poesia»
François Truffaut, 1978, tradução Carlos Melo Ferreira.
esqueço a comparação com Welles, bem como toda a conversa sobre a dificuldade em filmar, que Gus Van Sant aparentemente não têm. no entanto, sobre “Milk,” a coisa têm sido perguntar se é clássico ou moderno, se é alternativo ou avant-garde, ou pelo contrário, convencional e formulaico, se Gus Van Sant se manteve fiel aos seus últimos filmes, e a tudo o que ele próprio representa, ou se se vendeu a Hollyood num biopic glorificador…humm, desconfio destas coisas, como me apetece desconfiar desses chavões incertos e fáceis de escrever, demagógicos. sobretudo, da forma como se utilizam.
lembrei-me daquela história que diz que “O belo é o Vero e o Vero é o Belo”, lembrei-me de o João Bénard da Costa me ter explicado, num livro, que o que isto significa é “outras maneiras de dizer, como os velhos gregos, que ninguém sabe se aquilo a que chamamos vida é a morte e se aquilo a que chamamos morte é a vida” e acrescenta “região de imagens e de ideias que o cinema nunca deixou de explorar”.
pois bem, tenho consciência que tal coisa só valerá para mim, mas enfim…também acho que, e principalmente depois de ver filmes como “Milk”, ninguém sabe se aquilo a que chamamos de cinema clássico é o mais moderno dos cinemas ou se o que chamamos de mais moderno é o mais clássico. ou se o novo é o velho e o velho é o novo. ou se o ser alternativo é atitude de defesa/protecção e o ser tradicional é o mais hard. e todas estas palavras terão de ser percebidas em aspas, tendo em conta o modo como a maior parte das enciclopédias as trata. mas o que importa isso para partir a louça toda? em todos os casos, acho que o que mais me interessa é o ser genuíno e sincero, “Milk” é-o de certeza. e é então inclassificável. e sim, acho que Van Sant já atingiu aquele ponto em que de cada vez que liga a câmara tudo se transforma na sua poesia, filme ele o que filmar, com os meios e dinheiro que filmar, no lugar que for. não poesia de “poesia”, sim aquela em que como nos seus filmes anteriores, de “Gerry” a “Last Days”, vêm envolta em morte anunciada.
mas para os que afirmam convencionalismo, à boca cheia e com intenções secundárias, só isto: viram bem os planos sequência que Van Sant constrói em muitas cenas interiores e mesmo em algumas exteriores? a forma como Savides, o maior director de fotografia americano, arrisca a sub-exposição em muitos momentos? (à beira do amadorismo, como muitos diriam), a maneira como imagens de arquivo e de ficção são sobrepostas? a tal poesia de morte a encontrar-se com o mais inocente dos fairy tales, “Somewhere over the rainbow” incluído? aquele plano reflectido no apito e mil outras coisas? …
Zé ;) tdo bem?
ResponderEliminarÉ só para deixar um AMEN, nada a acrescentar :D
abç
grande Abraço.
ResponderEliminarah, já agora, atenção aos trailers do Mann e do Jarmusch. eheh
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