sexta-feira, 10 de julho de 2009
Paralelamente tenho estado a ver uns filmes de Rainer W. Fassbinder, cineasta que realmente exige muito, psicologicamente e em muitos casos mesmo fisicamente. Paro numa daquelas coisas que me parecem escapar a tudo, algo cósmico e verdadeiramente vertiginoso. “Die bitteren Tränen der Petra von Kant”, de 1972. Penso que muita coisa terá sido escrita sobre o filme, muita coisa pode ainda ser sempre dita. Seja pela maneira como Fassbinder chega do espaço concentracionário e asfixiante de um quarto – onde todo o filme se passa – ao cósmico, ao turbilhão ofegante e incendiário dos sentimentos, dos desejos, das culpas e dos arrependimentos, etc. Seja pelo que de muito há ainda a descortinar sobre a elegantíssima mas absolutamente implacável mise en scène, que encarcera e agarra nas personagens e nas linhas do espaço para querer absolutamente TUDO. Sobre a dimensão e o impacto que qualquer movimento de câmara ganha ao desprender-se do seu credo de fixidez. Ou ainda a personagem da criada, a maneira misteriosa como é tratada e o catártico final que daí resulta, verdadeiramente.
Mas o que mais me abalou, um pouco à maneira do Bergman de “Scener ur ett äktenskap”, foi uma elipse, aquela que acontece entre o momento em que Petra von Kant se atira a Karin Thimm e a convida a viver em sua casa, e termina já com a personagem loira e cruel, mais do que acomodada à nova residência, já sadicamente a dar ordens a Petra – a conturbada e flutuante Petra – e tendo tudo a seus pés. Mais uma vez é esta virulência do que não é mostrado que me feriu e que durante o resto do filme me deixou intrigado e a imaginar o que teria acontecido naqueles momentos não mostrados por Fassbinder. Especialmente por a elipse se exceder assim em relação ao habitual, não nos mostrando os motivos da degradação de uma relação que à partida parecia bem encaminhada, trabalhando deste modo de maneira tão subterrânea e perversa como as personagens.
A partir daí, cada fala, cada gesto, cada olhar, vão ganhar um peso extra, peso esse derivado da ressonância constante do porquê. A nossa pergunta.
E volto a pensar numa ideia antiga: o cinema, os verdadeiros impactos e abalos, estão resolutamente na imagem ou podem acontecer verdadeiramente e com tanta ou mais força entre as imagens, no não dito e no não mostrado, nas zonas negras? È lixado quando o que mais nos estremece nem sequer nos tenha sido mostrado…
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