sábado, 31 de outubro de 2009


O filme de Corneliu Porumboiu é isto, o trabalho e as esperas de um homem, os percursos, o tempo que passa, as dúvidas, as secas, a cabeça a ferver, o incompreensível, a perdição de quem não sabe o que fazer, a vida. O pequeno a tornar-se enorme. É a força avassaladora que uma simples câmara e um simples tripé ainda podem ter sobre o mundo e o humano, serenamente, honestamente, sem truques, ao serviço de. È a fé no fixo e no frontal. “Politist Adjectiv” é grandioso, uma daquelas coisas que retrocedendo ao máximo, reinventa ao máximo.
É capaz de fazer um bom par com o último Jarmusch, “The Limits of Control”, é certo que não possui a ironia e sentido de releitura do americano, mas no fundo vai na mesma crença, filmar tudo o que a tradição do grande género, o policial, no caso, deita para a lixeira ou não sonha sequer filmar, os supostos espaços de não cinema que a industria convencionou é a matéria destes empreendimentos. Onde tudo o resto corta é onde começa o cinema do Romeno.

sem plots. sem merdas.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

segunda-feira, 19 de outubro de 2009


Pode ser que Leos Carax tenha querido mandar foder o "pessoal do cinema" e a indústria que tanto lhe tem feito a vida negra. Pode ser que a coisa seja mesmo séria, posição chamada irónica/mordaz e parábola do ar do tempo ou do fim dos tempos, e, que então, o arrepio sentido na espinha aquando do primeiro longo travelling por Tokyo, ou na sequência das granadas e dos corpos desfeitos, tenha razão de ser. Ou então é tudo isto e uma infinitude mais, como em todas as obras que interessam. De qualquer forma a irrisão está carregada, carregadíssima, de gravidade. "Merde" é facilmente um dos filmes mais delirantes, loucos e inauditos da década. Livre e sem resquício de medo. Ao mesmo tempo é como os seus filmes anteriores – tragédia, ficção científica, fantástico, musical, na volta, até história de amor, etc. É Carax a pensar Méliès, Murnau, o esplendor do cinema clássico americano, Welles, Godard, Tarantino, a maneira estúpida e falsa como os novos materiais e as novas técnicas tem sido usadas nos últimos largos tempos, etc…É Carax, pela sua posição, rigor e veemência, a conquistar o direito de ir até ao fim do mundo, ao exemplo de Agnes, são as margens a desmultiplicarem-se ao infinito para o centro surgir como lúcido e lógico. Lúcido e ao mesmo tempo feericamente irracional, “Merde” é capaz de ser o supra sumo da arte de Carax.

domingo, 18 de outubro de 2009

sexta-feira, 16 de outubro de 2009


mise en scène continua a ser uma graaaaande palavra. Um mistério. Pena a banalização, muita pena…Rivette, sempre.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

o filme do João Pedro Rodrigues é isto.

« Yes, I wanted some of the images and even the choice of the actors to suggest silent movies. I wanted to do something very unspectacular, even austere. It’s almost like a musical, but without the usual musical numbers. I wanted to keep the conventions of the musical, that during the songs the action stops. But instead of presenting it as a spectacle, I wanted to show the characters singing or humming in intimate moments. And in drag shows in Lisbon, mostly they sing Spanish songs, but most of the songs I used are popular Portuguese songs.»

Logo, nada a ver com os exibicionismos/delírios de um certo Almodôvar, tudo a remeter para os filmes de guerra de Fassbinder (muito mais do que para Sirk, do meu ponto de vista). Objecto honesto, implacável, sempre a fazer tábua rasa e a violentar a suposta cinéfilia embasbacada. Tão perdido como as vidas em questão. Que poética? A mesma de “Odete”, poética do inescapável, da pulsão fugidia e incontrolável, cheiro funesto que destrói qualquer papel de lustro.

terça-feira, 13 de outubro de 2009


Não há muitos pontos de contacto entre John Ford e Jacques Tourneur, entre o realizador que veio da Irlanda e o realizador que veio de França. John Ford fixou-se na América em 1913, na esteira de um irmão (Francis Ford) que lá começava a ser conhecido como actor. Jacques Tourneur chegou à América em 1914, acompanhando o pai, realizador célebre sob o nome de Maurice Tourneur. Mas, se Ford já filmava em 1917, Jacques Tourneur, após um regresso à Europa, só em 1936 dirigiu um filme americano e só em 1939 começou a carreira de realizador em Hollywood.

Nos anos 40, associou-se, na RKO, a Val Lewton e daí nasceu uma série de filmes, zombies ou de zombies, que, enquanto houver no mundo saudade serão sempre relembrados. Cat People (1942), I Walked With a Zombie (1943), The Leopard Man (1943), Experiment Perilous (1944), Out of the Past (1947).

Mas eu falei de saudade e ainda não acabei de falar de pretéritos imperfeitos.
E se não há filme que me faça mais saudades do que O Vale era Verde (por isso, com ele começa este ciclo) muito muito perto está Stars In My Crown (1950). Um filme que nem distribuído foi na Europa, um filme que em Portugal só foi descoberto nesta mesma Gulbenkian, há vinte e cinco anos (13 de Outubro de 1981), trinta e um anos depois da estreia.

Joe David Brown (alguém sabe quem é?) escrevera um romance, que a Metro comprou para fazer um daqueles filmes de “encher”, a ser rodado em doze dias, com um realizador pago à semana. Mas, quando Jacques Tourneur leu o argumento, ficou tão delirante que se ofereceu para fazer o filme de graça.

À primeira vista, não é um filme nada parecido com as panteras e os leopardos dos filmes precedentes. À primeira vista (história contada por uma criança, numa vilinha que também tinha um passado feliz) também com um pastor protestante – Joel McCrea (em papel predominante) – parece filme de verdes vales, descendente dos de Ford, como tantos houve.

Mas, em cinema, geralmente, nada engana mais do que as primeiras vistas.
Porque, se no filme de Ford o vale é o vale do passado, em Stars In My Crown as estrelas brilham desde o início até ao fim. Há nuvens – muitas nuvens negras, muita contaminação subterrânea – mas a magia é sempre mais forte.

Se há um mundo harmónico – o mundo dos beijos à beira-rio, das canções repetidas na igreja, do sacerdote que parece um pistoleiro e é tão bom a rezar como a bater – há também a casa do negro, sempre ameaçado e quase linchado, há a água envenenada nos poços e há mesmo uma cena de magia propriamente dita, quando chega à vila a troupe de prestidigitadores. E se John (Dean Stockwell) tanto a quer ver, tanta espera dessa noite mágica, não é só medo ou fascínio a razão de tanto tremer e de tanta palidez. É nessa noite de bruxas que o miúdo adoece e quase morre. O mundo da morte pode também ser o mundo mágico.

Grande parte do filme é a história dessa doença, que mata uns e salva outros sem razão, é a história do conflito entre a ciência, um tanto ou quanto faustica e a religião um tanto quanto simplificada. “It`s all over. No, doctor, it`s just the beginning”.

Tudo se cruza e entrecruza neste filme tão assombrosamente belo, tudo está de novo na esfera entre. Um dia aproximei-o – sei lá porquê – do mundo também mágico de Garcia Marquez. Talvez porque em Stars In My Crown todas “as coisas tem vida própria e tudo está em saber despertar-lhes a alma”. Realismo mágico? Seja. Mas, como nos maiores exemplos de realismo (penso num certo Straub que mostrarei lá para diante) eu nunca hei-de saber se é a magia que torna tudo real ou se é o real que à temperatura de Tourneur se torna mágico.

Os “forties” americanos, que começaram com How Green Was My Valley e acabaram com Stars In My Crown, são o exemplo mais acabado dessa contradição ou dessa fusão.


JOÃO BÉNARD DA COSTA

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

"Laitakaupungin valot ", Aki Kaurismäki + "Singularidades de uma Rapariga Loura", Manoel de Oliveira + Os filmes finais de Yasujiro Ozu

(alguma coisa faz muito sentido quando penso nisto ao mesmo tempo)

sábado, 10 de outubro de 2009

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

“Gespenster”, o filme de Christian Petzold, é de facto bruto e seco como um soco bem espetado. De resto, é uma arte tão drenada de excessos e gorduras que é difícil para mim desenvolver. O próprio título intrigou-me sobremaneira. Ou seja, invocar fantasmas num objecto tão materialista e carnal pode parecer contradição, mas não, não é, basta-me fazer os percursos diários de metro ou de autocarro, andar, andar, andar (mesmo sabendo que o filme põe em jogo outras realidades contemporâneas igualmente gravíssimas)…É mesmo coisa séria a proposta do título e para mim só reforça a brutalidade e o sentido de “real” do filme. Obrigado a quem me fez descobrir isto, eheh.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

“Jamais poderemos deixar de ver”

Estava a assistir a “Les Glaneurs et la glaneuse”, o filme da Agnes Varda, e acontece-me o mesmo que ao ver os filmes do Costa feitos em digital nas Fontainhas, ou então (há sempre os afortunados com material 35 mm) o "The Brown Bunny" do Vicent Gallo. (Isto são exemplos entre centenas…) Não há desculpas, não pode haver desculpas e os que disserem o contrário são uns idiotas, uns fascistas ou uns comunistas (ainda ontem um amigo me disse que são todos iguais). Sim, aqueles que dizem que o cinema só pode ser feito em película de 35 e com uma profusão de lentes e de focos que só os profissionais podem ter, com um director de fotografia pago a peso de ouro, com muita iluminação e montado no avid. Os que dizem igualmente que se tem de seguir a linguagem dos americanos e que o resultado tem que ser planeado e pensado para vender. Senão…”não há mercado e é lixo”; “nunca vais entrar na indústria e estás queimado”.

Fixo-me na Agnes, ela não é mágica nem superdotada acima dos comuns, nem sequer está ali a descobri pólvora nenhuma, o que ela acredita e me diz é que toda a gente pode fazer cinema, produzir imagens cósmicas e sentimentos só com o pequeno grande gesto de enquadrar e de fazer, ou não, durar. Ela pegou na câmara e em alguém para o som e fez-se à vida… Nada de gestos burgueses ou de ar empinado, não, o filme é coisa sempre a abrir, absolutamente livre mas com um amor infinito pelas formas e pela matéria que capta. Está lá o mundo, da alta cultura de Orsay até à França mais profunda dos camponeses ou dos que apanham ostras junto às aguas, professores que vendem jornais e dão aulas de borla em montparnasse, até à juventude irreverente que vive do que os grandes deitam fora…ou então vai sem o mínimo pudor da grande música clássica até ao hip-hop mais mundano, tudo isto sem pedir desculpas, sem a mínima hesitação e com uma força descomunal. A distância que Agnes inventa para as coisas, pessoas, o mundo e o resto, vai-lhe permitir fazer…TUDO, ser livre e feliz, poder filmar a tampa da câmara em movimento subjectivo (porque se esqueçeu de a desligar...) e fazer disso um bailado, ou deter-se sobre o seu próprio envelhecimento. Isto exactamente como os filmes do Costa são de alguém que se instalou numa comunidade de gente sem dinheiro, com problemas, mas com o seu mundo de tristezas e alegrias como os outros, e assim faz filmes para eles e lhes dá cinema e imagem; ou como o Gallo, que usa o seu corpo e a sua mais intima poética para fazer (pintar) poesia. São filmes de quê? de amor, de amor, simplesmente filmes de amor. Amor que é tudo o que falta hoje em dia, não só no cinema e na arte. Sem os disfarces e mentiras que regra geral o grande cinema produz hoje em dia.

Não há desculpas para os filmes não serem feitos, se existir um desejo para que algo tenha de ser filmado, se existir essa pulsão sanguínea e imparável que leva tudo à frente, então, é impossível acontecer o contrario, ninguém jamais deterá uma descomunal hecatombe de anseio de filmar. Cinema é luzes e sombras, matéria, e é para ser feito com o que há e com o mundo que habitamos, com o que nos rodeia e cheiramos, não com o mundo que Hollywood nos prometeu, aquele que convenceu muita gente que só assim o cinema pode existir. Jamais, as coisas não têm que ter o perfeccionismo fabricado e ilusório da indústria, o impressionismo não nos pode fazer querer ser Finchers ou Sophias e deste modo não fazermos absolutamente nada. É como disse o Paulo Rocha sobre os primeiros Oliveiras, as panorâmicas tremiam todas, as cores estouravam, era impossível disfarçar na montagem e…aquilo tinha uma força e uma vibração, uma frescura que esmagava tudo o resto, que inclusive esmagava e que estava muito à frente das nouvelle vagues francesas que hoje estão nos livros como modernidade…

Jamais…

Quanto ao resto, ou seja, os festivais dirigidos pelos poderosos e pelos amigos dos produtores e dos realizadores que nunca na vida aceitam os nossos filmes feitos por dois tostões e sem nomes conhecidos na ficha técnica e artística, os que não lhes fornecem contactos nem comissões…que se fodam, os filmes ficam, tem que ficar, e algum dia terão de ser vistos. Não há tempo, ou melhor, há tempo.

E a solidão? ok, é lixada, pode ser mesmo muito lixada, mas todos sabemos, eu pelo menos sei, uma maneira de ela poder ser das coisas mais bonitas e preciosas do mundo.