segunda-feira, 28 de dezembro de 2009


Octave: Não tenho jeito para essas coisas. Mas você tem, mesmo que não pareça.

Louise: Por que não pareço?

Octave: Você dá a impressão de viver no mundo da lua...mas, na verdade, é concreta, prática e realista.


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Octave é o indivíduo que passa todo o filme de Rohmer, “Les nuits de la pleine lune”, a tentar comer Louise. Nos 100 minutos que o filme dura a coisa não vai estar fácil para ele, e se vai ou não consegui-lo, isso só poderemos imaginar, para lá do genérico final. Louise? Certamente uma das personagens mais complexas e fugidias de que há memória. Será uma inocente ou uma libertina? Alguém que não consegue estar sozinha, mesmo que para ela invente que disso gosta, ou será simplesmente uma verdadeira puta? Também pode ser que ame tudo demasiado e que por isso mesmo esteja constantemente a dizer que são os outros que a amam demais. Acho difícil para mim responder, e o facto de durante os percursos e as pulsões de Louise eu ter estado sempre a pender para um dos lados opostos (se é que isso existe) só prova a inteligência e o saber do francês sobre a vida, sobre homens, mulheres e relações. È questão contemporânea porque intemporal, porque era assim há mais de vinte anos e é assim hoje, por isso é certo que há muito deve ser assim. Calhou bem, porque é no diálogo acima transcrito que poderá estar a chave para a arte de Rohmer. Os seus filmes são assim, parecem ter a leveza e o tipo de ar que julgamos que a lua tem, são atmosféricos, aéreos, perdidos como a vida, mas é que ao mesmo tempo não existe nada de simplista ou falsamente contemplativo nisso, nada de “espectáculos de cinema” ou de “efeitos de cinema”, nada de demonstração esperta ou de consciência pós-moderna, jamais, os seus filmes são precisamente os mais concretos, práticos, realistas, totalmente passados no planeta terra. São igualmente densos e em filigrana, subtilmente carnais e possuidores de uma volúpia inexpressável em palavras. Que o irracional e o abismo a que Louise se entrega, sem medos e sem pedir desculpas, nos seja mostrado por um olhar assim tão palpável e frontal, logo livre como mais não possa ser, é um saber que parece cada vez mais irremediavelmente perdido nos dias de hoje, nesse cinema que já não consegue ser outra coisa senão um catálogo impressionista e falsamente aconchegador, auto-importante e histérico. Ou seja, cinema feito para vender coisas e "sonhos", para se auto-proclamar novo e fresco. Rohmer é o contrário desse fascismo pré-fabricado pelos maffiosi ou dessa estúpida inconsciência. Rohmer está sempre do lado do fascínio que é a imprevisibilidade da vida e que deveria ser a do cinema, a câmara serve para o que serviu ontologicamente, uma experiência de serenidade diante da cena, logo de vertigem.

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