sexta-feira, 14 de janeiro de 2011


"ai não faço filmes...? então vão levar com este pedaço de merda..."

Para "Une Sale Histoire" como nestas vidas para o "Merde" de Leos Carax, os que põe em perigo - o espectador, o crítico, a história mágica e maravilhosa e redentora do cinema. E se o petardo de Jean Eustache reduz a banalidades teóricas, jogos fúteis e retóricos da imagem sobre o som e vice-versa, do visto e do entrevisto pelo escuro, muitas das coisas que os "especialistas" só em Duras, Godard ou Monteiro viram, talvez a resposta esteja na extraordinária violência da palavra verbo nos seus filmes, que não é só por ela agressiva subversiva irónica catártica, sim traça lança um mapa mental em que toda e mais alguma coisa é imaginada, desejada – como os olhares carnívoros e famintos e animalescos e sexuados das mulheres que escutam a história do buraco -  convocada, excitada, num movimento caleidoscópico e de correspondências abalador.

Ou então nessa doce e implacável e vertiginosa – sim, muito mais do que um qualquer travelling a mil à hora por um qualquer devedor da nouvelle vague ou da nouvelle vague – abolição de uma escritura brilhante ou demonstrativa de câmara e logo do "ser cineasta" rumo a uma espécie de funcionalidade que pela concentração nos espaços, nos corpos e no som - na matéria que importa, tout court - se torna dura, durissíma, negra, espécie de buraco abismo onde mesmo com todo esse humor de mijos, cagadeiras e sexos espreitados, alguém não lhe escapará. Impossível não ver isso, essa cara sorridente e medonha como impossível não ver que quase tudo o resto, a isto oposto, só arranha e desliza.

Alan Phillipon: “é, senão uma obra-prima incontornável, pelo menos uma obra chave em que é difícil não ver um filme bem mais mortífero do que os trabalhos contemporâneos e posteriores de Marguerite Duras sobre a ‘mise à mort’ da imagem pelo som”.

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