sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011
"Los Angeles Plays Itself " é um filme de arqueólogo bem mais próximo de Straub do que de Eisenstein ou Godard ou Scorsese. Olhar amplo e total, material e abstracto. "Los Angeles Plays Itself " é um filme que ama e odeia. Artesanato sim, mas com todo o rigor e vigor. Concretíssimo e claro temperamental pelo espaço do amor, ou do seu contrário. Uma cidade, Los Angeles sempre chamada e nunca L.A que isso é para os filmes ou para os "filmes filmes". A sua história através dos filmes e a história dos filmes através dela. Relação obviamente problemática, cheia de impasses, relação tortuosa. Thom Andersen, o cineasta, orquestra tudo numa voz of pacificada que logo de arranque se percebe unicamente regida pelo ímpeto e pela singularidade das paixões. Sobre o cinema da cidade de cinema mas muito ou sobretudo sobre a cidade em si tratada como mundo dentro de um mundo, e nem sempre estará a falar de fitas. Logo movimento com força histórica, social, politica que ora convoca o cinema, ora o despreza, o culpa, agradece, reconhece-lhe importância ou perfeita inutilidade. Cinema que tantas das vezes serve para provar que Los Angeles é muito mais ou tudo mais, uma verdade espacial, arquitectónica, humana. Ficção que ironicamente ou não se volve no mais puro e acabado documentário através dos tempos que as máquinas de película a percorreram e a varreram.
"Los Angeles Plays Itself " é então muito mais ficção que documento e logo documento de uma sensibilidade. Thom Andersen expõe a sua visão despida da cidade, o seu gosto, os factos de pesquisa, monta as sequências filmicas que lhe tocam e as que não gosta, dá um espaço enorme à ambiguidade – quantas vezes não sabemos se ele gosta ou não de certo filme, certo excerto... - quase insulta, quase goza, perde-se de amores por Kent MacKenzie único "The Exiles", que leva aos píncaros o antigo "Gone in 60 seconds", reconhece e engrandece os cineasta marginais dos anos 60. Que também vibra com Billy Wilder.
...e por mais um que outro, é possivelmente injusto, até maniqueísta, exagerado ou incompreensível, hermético...ou simplesmente mostra, cientificamente friamente, deixa-nos fazer o juízo e lembra que todo o filme toda a obra deve falar por si, o resto é treta desculpas para a mediocridade ou teorias espampanantes.
Cidade mais do que encenada mas que também apropriadamente se sabe encenar. Movimento dialéctico.
Mas finalmente nada disso é problema pois as suas ideias provam que está ali carne e osso, o que ali se diz é justo porque é como o cineasta é. E nunca por nunca há lampejo de vampirização, antes toda a comoção que desfaz a neutralidade ou o aproveitamento e que precisa de todos os filmes e mais alguns para provar o seu amor infindável a esse mundo.
Implacável ética de verdade. E se a verdade é coisa difícil de circundar ou de acreditar ou...pelo menos sabemos que perpassa ali a verdade de um homem e que mesmo que possa chocar é a verdade movida pela incendiária chama dos fogos do coração. Filme do coração, tão limpidamente declarado e directo e justo e em primeiro grau como a tocante forma como todo e qualquer pedaço de filme e de visão é juntada sem hierarquia ou norma, de autor, de história, de classicismo ou modernismo, de "qualidade" ou de fanfarronice. Cinema todas as histórias e uma história só, disse-nos Godard. A de Andersen e a das dezenas de cineastas actores tudo...as nossas que por lá passam fantasmagoricamente. Cinema e bocados cortantes de vida dos interlúdios que remetem para qualquer lado.
Pequeno grande acto de terrorismo subversivo ao seu modo. Pequeno e grande, bela imagem para este pequeno enorme filme. Assim: agarra-se na produção histórica da grande máquina instalada na sua cidade, e juntando outras coisas pequenas, agarra na sua humilde máquina, a do cineasta, e faz nascer choques, relações, desejos...
Quanto pode essa singela máquina dissidente em relação com a gigantesca? Alguma coisa? Algo? Sucintamente: Pode muito. Pode tanto como. Pode tudo.
Filme teórico poderia ser, mas sem teoria alguma, sem nada a provar, antes olhar lúcido e desarmado de esperteza, encantado e desencantado, sem ilusão e extremamente sensualista no que monta e no que filma. Corpo inteiramente orgânico moldado e sempre alterado pelas entranhas e pelo íntimo. "Los Angeles Plays Itself " urge nessa ética de todo o romanesco e poderia substituir mil teses ou mil catálogos académicos de supostas superioridades odes autorísticas temáticas conceitos quaisquer. Tudo a um nível, reorganização de sentido. Sentido.
Gesto utópico, o filme apetece-lhe continuar para sempre e o "intermisson" que mete pelo meio pede uns quantos mais. Gesto desmesuradamente utópico, diria. Gesto que lhe apetece muitos mais filmes, muitos mais planos, corpos, gente, atmosferas como atmosféricos são todos aqueles filmes negros que em Los Angeles existiram. Daí permeável a um romantismo subliminar, coisa extremamente romântica pareceu-me, que pode derivar de imensos lados . "Los Angeles Plays Itself " filme inacabável.
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