terça-feira, 11 de outubro de 2011



Ruiz tem esse olhar de inspiração clássica, mesmo que impregnado por algo que ele considera de extrema utilidade, o mau gosto! Ou seja, a vulgaridade, como sublinha. Recorda a de Fassbinder, Schroeter, ou a dos seus próprios filmes mais antigos: "Os meus filmes que estão mais perto do cinema experimental têm sempre elementps populares. O mau gosto é sempre imprescendivál no cinema. Tem de se ter uma atctitude de toureador."

Actual, Expresso

"Il fait de l`autodestruiction, pour filmer comme un cochon on ne peut pas fair mieux que lui. Dans "Nous ne vieillirons pas ensemble", on voit Yanne dans deux scènes qui sont les mêmes. Pialat a tourné les deux en pensant, je garderai la meilleure, et pour faire chier le monde il garde les deux qui sont absolument incompatibles puisque c`est la même action qui recommence. Dan "La Maison des bois", il le fait très souvent."

Jean Eustache

"Malina", Werner Schroeter, 1991

História simples na sua teia absolutamente complexa e oblíqua que só os espelhos finais e as refracções me fazem vacilar. A mulher, estonteante Isabelle Huppert, não sabe se existe. Parece preferir não existir. Procura espelhos para obliterar esse estado. Procura histerias ou absurdos diálogos. Põe-se em perigo. Lança-se ao primeiro abismo que a tenta. Cede aos mais fáceis delírios. Impulsos irreprimíveis. Desdobra-se. Reencarna personalidades outras. Amarra-se em labirintos mentais. Ao presente supostamente imediato submete-se a regressos e avanços. Máquinas do tempo. Fugas e voltas na sua realidade. Tempo suspenso. Só o instante. Uma mulher? Quantas mulheres? Nesse estado, suores frios e infernais. Vómitos. Desmaios. Tonturas. Desfasamentos Demências inexplicáveis. Visões alteradas, duplas, triplas. Imaginação fértil. Desejos vertidos e revertidos. Fronteiras fastasma. Cigarros catarse. Cigarros testemunha. Bofetadas estridentes. Hemorragias a vermelho carregado. Sacrificios. Mutilações interiores. Mutilações exteriores. Ligaduras. Queimaduras. Peles que arrepiam. Entregas ao outro e impossibilidade. Vertigens. Espirais. Loucas profecias. Diabo no corpo e na alma. Anjo ternurento. Dentro do mundo e fora do mundo.

 "Com a minha mão queimada eu escrevo sobre a natureza do fogo." Flaubert, Huppert, Schroeter

Gosto cada vez mais de cineastas porcos. Badalhocos. Que filmem dessa forma. Que captem som dessa forma. Que montem dessa forma. Que modelem a luz dessa forma. Que enquadrem dessa forma. Que façam os actores atravessarem o enquadramento dessa forma. Que cheire mal. Que façam os profissionais da técnica, os professores e todo o género de académicos dizerem que assim é de amador. Que não respeitam os padrões mínimos e seguros de qualidade. Que está uma grande merda. Que haviam de ir para a escola de cinema. Gosto que Schroeter filme à porco. O Fassbinder. Ruiz. Argento. Eustache. Pialat. Carax. Stroheim. Ferrara. Bava. Fulci. Candeias. Todos os restantes irmãos. Proscritos. Dissidentes. Vencidos. Atenção, não falo de porcos como Lars Von Trier ou Desplechin. Nada a ver com o moralmente ofensivo. Prossigo. Contra a higienização imagem/som. Desmascaramento dos supostos radicais de pós-produção.

Equilibristas doentios. Heróis. Contra todos.

Que tudo estilhaçam, mas que tudo fazem vibrar de inauditas visões.
Ao lado do que filma. Justiça poética.

O princípio de "La ville des pirates", o cigarro colado à lente, o plano subjectivo de dentro da boca sobre a dentadura. Assim sucessivamente. Fassbinder e o vulcão essa sede de vulgaridade e melodrama e corpos e tudo. Carax e as danças bélicas e de sexo. Pialat e a câmara que arrasta pelo cenário milhões de quilos de violência. Schroeter, fiquemo-nos no sumptuoso e suicidário "Malina". Filmar com a mão queimada a natureza do fogo. Filmar temperaturas imedíveis. Do além qualquer. Impregnar e perturbar de símbolos e de barroquismos aterradores. Rosas. Velas. Caveiras. Chamas atrás de chamas. Sangue. Sagrado e ultra profano. Distorções ópticas. Escalas devoradoras. Embates fatais. Vermelhos. Amarelos. Azuis. Verdes. Cinzas. Negro. Buracos. Cores quentes. Cores Frias. Tudo misturado. Contra luz que define e extingue. Sons que se atraem. Repelem. Combatem. Confinam. Dilatam. Explodem magnificamente. Libertações operáticas. Trivialidades. Espectros na penumbra. Cadáveres expostos. Vice-versa. Bonecos de fios cortados. Movimentos sedutores e harmónicos. Luxúria. Lasciva. Sexo bruto. Carnalidade. Desejo. Rainhas e putas. Cinemas de bordel e passagem para o outro lado. Bailarinas e pequenos teatros. Crianças ameaçadoras. Na profundidade de campo e a embarrar na câmara. Fendas nos tectos. Escadas cortantes. Quedas eminentes. Céus e horizontes bizarramente pintados. Escalas de planos sem vocabulário. Movimentações de câmara como as deambulações sem rumo. Montagem risco. Essa plasticidade artesanal. Citando Eustache novamente: manifesto pessoal, manifesto individual. O filme é para ele. Tudo faz sentido.

E talvez por isto, pelo amor e pela guerra, "Malina" é sumptuoso e um furioso golpe de revolta.

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