segunda-feira, 14 de novembro de 2011

2 comentários:

  1. - De Shakespeare a irromper e a orquestrar, dos altos...até às profundezas letárgicas de Melville. Das transparências minadas ao medonho negro. Ar...mar...destruição brutal...apocalipse...retorno impossível. "Pierre ou les Ambiguïtés" vai da morte à vida e da vida à morte em hiatos indizíveis e irracionais mas nessa mesma linha ou num novelo qualquer, movimentos lógicos pela força da verdade e da dúvida sua irmã. Começa pelos lados estilhaçados e catárticos de "J'accuse!" de Abel Gance, revolta dos mortos, ajuste de contas e regresso lá para baixo, vai recuando, recuando...recuando ainda mais até à danação de Murnau e deixa-se afogar por Melville.

    Daí estarmos constantemente em terrenos e em corpos de monstros, fantasmas, espectros, nessas vigílias e sonhos e pesadelos...e que todos pareçam ser amantes uns dos outros e fazerem amor – amor de fogo como o rasgo que incendeia o corpo e depois o papel. Leis estranhas e sentimentos de emancipação obscura longe destes nossos e das telas principalmente. Leia-se – monstruosa mutação, monstruoso humanismo.

    Este Pola, nas suas assustadoras expansões, distensões, durações...sobreposições, sobre impressões, impressões...opacidades e luminâncias...elipses aniquiladoras e copulativas...cortes de sangue e cortes de sexo , cortes explosivos e cortes feitos dádivas, acentua a perdição e podridão e o cinzentismo até aos limites físicos – sendo por isso ainda mais absolutamente exaustiva a visão deste todo assim feito – deste mundo, de certas almas e sentimentos, da matéria, das coisas. E depois...a crença e o amor na personagem de Pierre levadas até ao fim de tudo, ao fim da vida. Mesmo que sim, ainda mais dividido, quebrado como um espelho nas suas falhas e certezas e perguntas e respostas. Mas segue-se o íntimo e vai-se até ao fim do mundo...como o plano da mota que sobe a ponte até ao fim absoluto...esse desconheçido.

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  2. - "Pola X" ou "Pola" abre com montagem fora do mundo, encontro terminal do modo Eisenstein e do modo Gance, duas fúrias. Logo depois, uma calma ilusória. Do verde da relva molhada até a um quarto em penumbra com um corpo meio despido que se vislumbra por uma janela entreaberta que se quer fechar, um vertiginoso travelling que não se parece a absolutamente nada – elegante e demente. Em questão destes: os que acompanham os percursos de mota pelo rasgar da paisagem; o da floresta negra que na versão extensa acompanha o par maldito junto a um rio e ela lhe faz sentir o peito; os caminhares pelas montanhas mágicas e enfeitiçadas. Bem mais para a frente, já na antecâmara do inferno ou no inferno ele mesmo: a panorâmica sobre Pierre num inaudito vento e tempestade de areia e pedra que me convoca Friedrich; as panorâmicas coladas, pegajosas e em confronto com toda a matéria que defronte lhe aparece nas imediações daquele estranhíssimo bunker, quando Lucy regressa, por exemplo.
    E depois, não sei articular linguagem, nem língua, muito menos gramática em tantos e tantos momentos bombas: como definir a entrada no bunker em que a câmara sobe sem aviso, o som estoura normalizações, e a banda de proscritos e de restos é revelada? Os vários movimentos Wellesianos das subidas e descidas cortantes de escadas e as rasantes aéreas sobre os quartos - panorâmicas? travellings?

    Falava em Friedrich, e tanto romantismo alemão me vêm à memória e principalmente às sensações na espinha em tantos momentos e num todo feito pincelada. Mas um romantismo possuído, alterado ou anabolizado por excrescências várias e desejos, uma visceralidade perto ou escatológica mesmo, em que toda essas massas e cheiros e ambientes e pulsões são coisa camaleónica à frieza da máquina e das luzes e a corrompem e dela se apropriam. Uma febre ou uma peste instalada nessa ciência dos profissionais.

    São movimentos alucinantes/alucinados e fixidez atordoante, sim, mas de uma fisicalidade e de uma carnalidade que será preciso ir aos primeiros selvagens, como os Lumiere, como Stroheim, mais à frente um Peckimpah desta vida, para se encontrar esse tipo de sangue.

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