Aleijadas
Vacilantes
As minhas pernas
Tão trôpegas
Aleijadas
Vacilantes
Que tenho de me amparar
Ao meu bordão
Quando vou caminhando
Corpo cansado
Corpo trémulo
Corpo febril
Tão cansado
Trémulo
Febril
Que tenho de me amparar
Ao meu bordão
Quando vou caminhando
Vendo mal
Ouvindo mal
Respirando mal
Amparado
Ao meu bordão
Quem passa por mim
Não o vejo bem
Oiço-o mal
Às vezes nem o chego a perceber
Nem sempre o reconheço
E fico-me
Amparado ao meu bordão
Quando vou caminhando
Assim
Arrastando-me
Amparado ao meu bordão
Sou um espectáculo para os jovens.
Pensam
Que nunca chegarão a velhos.
Como eu outrora
Em jovem
Como eu outrora
Dias de Melo
terça-feira, 27 de novembro de 2012
sexta-feira, 16 de novembro de 2012
Fuck
A referida cópula de “Holly Motors” é um choro pela de “Pola X”. Estes corpos ou estes cadáveres estão mesmo indolentes e tombam prantos frígidos à memória e ao toque dos cabelos de Golubeva, seus seios, sua boca. Prantos à faísca dela no corpo de Depardieu, essa força loira em catarse carnívora. A face de anjo perdido dele olhos nos olhos à monstra de outros mundos. O fogo do céu e da terra e do resto a vociferar cuspes inauditas quando um corpo entra noutro, um possui outro, se possuem, se furam, tudo extravasam.
As poses, lambeduras, contactos de HM parecem querer recuperar as de Pola, mas nestes ares e nestes labirintos nada a fazer e assim mesmo o encaixe já não é possível. As panorâmicas em cinema foram inventadas para alguma coisa, a absorção orgânica e esfomeada do mundo por Renoir ou a maníaca verificação da matéria por Jean Marie Straub e Danièle Huillet não nos permitem esquecê-las.
A Lavant e a uma espécie de ginasta de plástico de boas formas é interdita a penetração e aquela dança agâmica transforma-se mais nas performances que os artistas pós-modernos elegeram do que qualquer coisa que se inventou mal a primeira pedra foi colocada na terra. E então Carax não vai cortar nem montar preguiçosamente dos supostos humanos para os zeros e uns produzidos por estes. A dita panorâmica como verdade e movimento sagrado entra em acção e leva-nos da suposta carne ao suposto simulacro, e, coisa do demo e do presente, uns bichos que parecem vir do lado mais satânico de uma certa pintura de um certo romantismo furam-nos as órbitas e confundem-nos visão e sentidos. Esses bichos suam, devoram-se, esfarrapam-se, os seus gigantescos rabos bailam ao ritmo do entrar e do sair do sexo dele no sexo dela, assim como as elásticas línguas que partilham e unem e comem. As espessas trevas envolventes desses seres são incomparavelmente mais aprazíveis e chamativas do que os ecrãs verdes de todas as possibilidades dos efeitos especiais. Uma enormidade, uma constatação, um funeral.
Carax punk, Carax metaleiro, Carax orgástico e Carax cangalheiro. Na proliferação e inutilidade diária das imagens fáceis do digital, HM é um voraz caleidoscópio em que o cineasta sai de sobreaviso e de olhar limpo em busca da imagem essencial. Que é, ainda é, nem que se lixem todos, a emoção. Aulas de coragem contra aulas de conforto. Fora academias.
A referida cópula de “Holly Motors” é um choro pela de “Pola X”. Estes corpos ou estes cadáveres estão mesmo indolentes e tombam prantos frígidos à memória e ao toque dos cabelos de Golubeva, seus seios, sua boca. Prantos à faísca dela no corpo de Depardieu, essa força loira em catarse carnívora. A face de anjo perdido dele olhos nos olhos à monstra de outros mundos. O fogo do céu e da terra e do resto a vociferar cuspes inauditas quando um corpo entra noutro, um possui outro, se possuem, se furam, tudo extravasam.
As poses, lambeduras, contactos de HM parecem querer recuperar as de Pola, mas nestes ares e nestes labirintos nada a fazer e assim mesmo o encaixe já não é possível. As panorâmicas em cinema foram inventadas para alguma coisa, a absorção orgânica e esfomeada do mundo por Renoir ou a maníaca verificação da matéria por Jean Marie Straub e Danièle Huillet não nos permitem esquecê-las.
A Lavant e a uma espécie de ginasta de plástico de boas formas é interdita a penetração e aquela dança agâmica transforma-se mais nas performances que os artistas pós-modernos elegeram do que qualquer coisa que se inventou mal a primeira pedra foi colocada na terra. E então Carax não vai cortar nem montar preguiçosamente dos supostos humanos para os zeros e uns produzidos por estes. A dita panorâmica como verdade e movimento sagrado entra em acção e leva-nos da suposta carne ao suposto simulacro, e, coisa do demo e do presente, uns bichos que parecem vir do lado mais satânico de uma certa pintura de um certo romantismo furam-nos as órbitas e confundem-nos visão e sentidos. Esses bichos suam, devoram-se, esfarrapam-se, os seus gigantescos rabos bailam ao ritmo do entrar e do sair do sexo dele no sexo dela, assim como as elásticas línguas que partilham e unem e comem. As espessas trevas envolventes desses seres são incomparavelmente mais aprazíveis e chamativas do que os ecrãs verdes de todas as possibilidades dos efeitos especiais. Uma enormidade, uma constatação, um funeral.
Carax punk, Carax metaleiro, Carax orgástico e Carax cangalheiro. Na proliferação e inutilidade diária das imagens fáceis do digital, HM é um voraz caleidoscópio em que o cineasta sai de sobreaviso e de olhar limpo em busca da imagem essencial. Que é, ainda é, nem que se lixem todos, a emoção. Aulas de coragem contra aulas de conforto. Fora academias.
quarta-feira, 14 de novembro de 2012
Fuck the universe *
“Holy Motors” é o filme mais realista e lúcido de Leos Carax. Por isso mesmo é igualmente o mais triste. A nostalgia e o cerco, todos os fins e possibilidades, continuam, como sempre, aferrados à nascença e seus circundantes, infância, adolescência, salto para o abismo; e à velhice, o direito da convalescença, auguro de um termo, instalação na morte. Mas, e é por estes escuros túneis que tudo ainda mais se metamorfoseia, como os ogres que por lá desfilam, estamos num cosmos onde já nem se consegue morrer. Nem à lei da bala, de nada. Finalmente somos banda desenhada ou já só esqueletos. O princípio avista o fim, a mortandade consome o feto, o dia ensombra a noite. O último dos cineastas a chegar a isto, a um organismo lógico e voraz onde tudo lhe é permitido sem cair nas palhaçadas do cinema Film Comment, foi João César Monteiro. O homem já acasala com chimpanzés, as fodas virtuais são incomensuravelmente mais libidinosas do que as carnes atadas electronicamente, as máquinas choram outros tempos viscerais que já se foram. Como em “Vai e Vêm” e nas grades amarelas do autocarro capsula, a limusine onde vivem M. Oscar e Céline é um dos últimos abrigos de uma humanidade deleitada na sua miséria e no seu brilhante progresso.
Congelaram as plateias de um sonho certo dia chamado cinema. O inocente Senhor Merda devora flores de campas sofisticadas e nos esgotos vive com o último robô da publicidade uma Pietã possível ou um cristo morto erecto. Na fábrica onde Chaplin trabalhou nos “Tempos Modernos” já se transforma sangue em pixéis e calor em gelo e um cineasta chamado Carax inventa travellings ilusórios e um maravilhamento de que só Murnau tinha o segredo. Só Murnau. Um Pai aplica o pior dos correctivos à pequena filha, desampara-a à vida. Interlúdios do mal em santuários profanados. Redenção mulher. Perdição mulher. Absoluto mulher. Duplos. Triplos. Infinitos. Pessoa. Borges. Hologramas. Memórias atordoadas. Doenças aqui, agora, longes. Lamento pelas câmaras mais pequenas do que cabeças e já invisíveis, big brothers, a farsa do espectáculo que já matou e agora só anestesia quando muito, Henry James e suspiros derradeiros só pela intensidade e fé do maior dos cineastas actuais resgatados aos horários nobres. Ressureição dos vivos. A pont neuf e suas águas onde aniquilaram Carax e onde ele se aniquilou agora vistas dos céus ao ritmo de baladas e de marchas tão intensamente belas como fúnebres – o grande segredo desta arte que vinga, tudo devora, se autodestrói e o caralho a mil mas que ao mesmo tempo é fonte de todas as dádivas, amores, paixões, beijos, reposições e devoluções ao grande ecrã do que lhe roubaram. Saudades de rostos e de olhares. A beleza do gesto como móbil de resistência, como no princípio. Só por isso.
quarta-feira, 7 de novembro de 2012
“At Close Range” é uma extensão dos avisos e das formas de “Reckless”, apenas dois anos depois. Se James Foley carrega de ainda maior peso a figura do pai, encarvoa o pathos, flirta com o género do filme de gangsters e o arrebenta, exponencia a violência e o sangue derramado até confins sacros, não é certo que este gunplay (na expressão de James Gray sobre todos os antecedentes a “Two Lovers”) eleve a tragédia acima do seu filme inaugural.
Numa obra em que os primeiros minutos são ocupados na contemplação do rosto de Sean Penn e no seu queixo caído pela muito jovem ruiva Mary Stuart Masterson, se a luz continua a desenhar divinamente o escuso idílico de cada espaço e a recortar cada ser a uma ancestralidade recusada, realisticamente e a um mesmo tempo oniricamente, se a montagem trabalha sempre na desaceleração da aceleração, com surpreendentes fendimentos fora dos manuais, o que nos cospe em cima é outra vez a história do legado versus o individualismo. Pai, tenho dito, filho, aqui como no outro, e os espíritos que em torno planam santos e de invisível aura que cedendo a tentações como toda a carne, neste mundo caem. Continuamos a visionar anjos, demónios seus pares e as rampas das ruínas.
Christopher Walken seduz, vocifera e aniquila do topo do seu altar, presença temerária enleada em charme. Promete ao seu pretendido enviado Penn e ao seu irmão um futuro com tudo o que eles desejarem, onde nada é impossível. Entidade suprema que não pestaneja se tiver de limpar o sebo seja a quem for, mesmo ao sangue do seu sangue. E se a principio tudo isso alicia como tentações satânicas, nem todos podem seguir em nome do pai e, contrariamente à lenitiva pureza da sua amada, Penn presenciará a um incompreensível niilismo e facilitismo, ao desumano em molde mais imperdoável. Regresso ao capítulo vinte e quatro do livro de São Matheus, onde o esquadrar de Foley ainda olha espantado todas as possibilidades de avanço terreno e irracional, encontrando o fim dos tempos e todos os seus “ismos” possíveis um começo do mundo. Tudo isso, mais o inominável.
E se o pai já era elemento exótico sê-lo-á ainda mais a partir do inexpiável puxar de gatilho, ousado isso o par Penn-Masterson desejará acima de tudo inventar uma vida e assim vivê-la. Complicadíssima teia que desemboca, aqui sim, em limites paroxísticos em relação a “Reckless”. A coisa alastra rápido quando a tudo se é indiferente, e Penn, numa jogada suicida para gizar a saída, vai contra o credo do pai e torna os pecados mútuos. A confissão é árdua. Perde irmãos, amigos…amada. Tudo entra em descontrolo menos a lucidez do cineasta, sempre boquiaberto e firme à modelação da cruz.
Onde “Reckless” acabou em fuga ousada, ode prometida, “Range” encontra-se obstruído no filho que não cortou o cordão quando havia de ter cortado e uma só vez preferiu o conforto da herança. Como quando em profundas águas ou em areias movediças, pressente-se o ponto de não retorno e pouco haverá a fazer. A inocência e as leis antigas são convites para o abismo e este é o centro do díptico de Foley. Sozinho olhos nos olhos do progenitor vai prometer-lhe morte lenta. O close – up final antes do plano se tornar literalmente paralítico é um sofrido “is my father”, sentença de morte, libertação, falhanço, recomeço, impossibilidade, aleluia. Assim Foley é ainda mais tramado, seco, duro, com todo o tempo, e entre a ávida voz de Madonna e o incandescente lume contraditório que queima no filme, avisa que ou se segue o dentro ou se congela por inação, que de tudo é feito qualquer um. As estradas é fuga para qualquer coisa, dizia-nos…
Na amplitude de recursos sonoros e visuais e na lenta e paciente perscrutação do rumorejar interno, aqui está um homem livre e um cinema livre, generoso, fugaz e carregado como a massa por de dentro da pele de um compacto corpo. Tal como consegue ser directo e concreto, destilado e hierático. O que se almeja e o que se possui, nem mais.
domingo, 4 de novembro de 2012
O temperamental Dennis Hopper, tantas vezes também animal raivoso, constrói em “Colors” uma impressionante pintura de sentimentos, temperaturas, percepções, distâncias. Pegando na velha fórmula do policial instalado na cidade ardente em que o polícia velho vai guiar o polícia novo pelas ruas, becos, carnes e almas que lhes aparecem pela frente, o filme torna-se, no meio do caldeirão e da diferença, uma caminhada trepidante, convulsa e tão perto da morte rumo a uma paz que compreende uma aprendizagem, que abarca uma moral de fábula, uma paz de recomeço pós apocalipse. No fim apetecerá dizer…sereno. Assim acaba o ainda novato mas já calejado Sean Penn a transmitir os saberes que o velho Robert Duvall lhe passou, a um verde e ingénuo recruta de sangue na guelra que ainda há pouco era ele mesmo. História também de duplos. Filósofos não empantufados atravessando dilemas e acção bruta. Muitas vezes vimos isto, a maneira como Hopper aplica e sedimenta as escalas, e cada vez mais me convenço que as escalas em cinema são questão sísmica, elevam o percurso íntimo e o grande retrato à equação primordial dos homens e das suas vidas. De onde quer que vejamos e falemos.
Na sua vontade arrebatada e diabólica de mudar o mundo de um instante para o outro, o virgem policia Penn vai descobrir que o referido privado e o geral são voos num mesmo céu, indelimitáveis. As ganas pela miúda latina entram em colisão com o cego sacar da arma; o respeito e carinho pelo velho vão na contra mão da temperatura do seu sangue; o provisório irreflectido afasta cada vez mais o possível horizonte do estável. Coisas assim que a realização do outro velho rebelde tornam implacáveis e sem saída, e se parece óbvio e antigo que a questão do trabalho afecta a questão do amor, o que “Colors” nos mostra, como a difusão áspera do seu título, é que, levada aos limites da integridade e de uma cortante verdade própria, mesmo da inocência, tudo isso se torna um único grande corpo e um único grande espirito, palpável e intuído, como os miolos que se espalham da bala e o arrepio na espinha de um sorriso da amada, o desfalecente medo e os rasgos de loucura, uma densa teia sociológica e ontológica, uma caleidoscópica aceitação da admirável aventura e perdição da vida.
Não só preto, branco, amarelo, vermelho. Merda, mijo, betão apodrecido e madeiras comidas, sim como se inspira num lugar e se respira noutro, se comprime os pulmões na esquadra para os soltar no ciclone dos gangues, se mente para falar verdade ou se vai por vias tortas para o curso recto. O que dói, o que fere, é como se interrelaciona tudo, cruza, esmaga, esquece, lembra, segrega, vomita, atropela, ressuscita.
No final, assente nessa desbotada elipse que não nos diz se ele perdeu ou recuperou aquela a quem o velho denominou celestialmente, no quase certo fim do mesmo comparsa, de uma suposta mudança de atitude e visão das coisas, novas ligações e elos com os de fora e dos de dentro - um legado e um olhar em frente, que toda a violência anterior nos fala ali, antes dos créditos fecharem em ruido, atirando-nos que nada é certo num mundo que constantemente abala, que a maior da perícia e máscara pode ceder face ao incontrolável que é existir. Fábula é um acto de amor, desafio à morte. Essa relação Penn com o imenso Duvall que enforma, articula e blinda a precariedade, essa relação que redimensiona no múltiplo painel o terror de tudo olhar de frente à mesma escala, precisamente.
Enorme, enorme, e uma moral ou falta dela como
aconteceu em Outubro na Cinemateca Portuguesa noutros enormes “Cop” (James B.
Harris) e “Best Seller” (John Flynn). Justiceiros anárquicos. Escrivas
vingativos. Super-homens nietzscheanos. Estas e outras anátemas lançadas e em
sintonia com alguns últimos essenciais cineastas inconscientes, irresponsáveis.
Esses saudosos encarcerados… Fechar os olhos e descarregar, abrir as guelras ao
largo. Da mesma cepa.
quinta-feira, 1 de novembro de 2012
Uma das muitas coisas e não das menores que a
visitinha extenuante que Spencer Tracy faz a um cú do mundo no caso Black Rock
é a exposição da farsa, ou da inutilidade, ou ainda do ridículo de algo posto
em evidência a fazer rolo compressor de todo um legado e indo a lugar nenhum –
a lugar nenhum, é o que dói – ou seja…o tão propalado e sobrevalorizado
Pós-modernismo, palavra e conceito perigosíssimos que tanta gente fez e
continua a fazer brilhar, tanto lixo produziu e produz, tanta memória limpa do
mapa. Com Spencer e Sturges (e Marvin e Ryan e Brennan e Borgnine e Francis) é
bang bang, no sorrows and no snobbery.
A fazer double bill com “Alice's Restaurant” do
Penn.