Fuck
A referida cópula de “Holly Motors” é um choro pela de “Pola X”. Estes corpos ou estes cadáveres estão mesmo indolentes e tombam prantos frígidos à memória e ao toque dos cabelos de Golubeva, seus seios, sua boca. Prantos à faísca dela no corpo de Depardieu, essa força loira em catarse carnívora. A face de anjo perdido dele olhos nos olhos à monstra de outros mundos. O fogo do céu e da terra e do resto a vociferar cuspes inauditas quando um corpo entra noutro, um possui outro, se possuem, se furam, tudo extravasam.
As poses, lambeduras, contactos de HM parecem querer recuperar as de Pola, mas nestes ares e nestes labirintos nada a fazer e assim mesmo o encaixe já não é possível. As panorâmicas em cinema foram inventadas para alguma coisa, a absorção orgânica e esfomeada do mundo por Renoir ou a maníaca verificação da matéria por Jean Marie Straub e Danièle Huillet não nos permitem esquecê-las.
A Lavant e a uma espécie de ginasta de plástico de boas formas é interdita a penetração e aquela dança agâmica transforma-se mais nas performances que os artistas pós-modernos elegeram do que qualquer coisa que se inventou mal a primeira pedra foi colocada na terra. E então Carax não vai cortar nem montar preguiçosamente dos supostos humanos para os zeros e uns produzidos por estes. A dita panorâmica como verdade e movimento sagrado entra em acção e leva-nos da suposta carne ao suposto simulacro, e, coisa do demo e do presente, uns bichos que parecem vir do lado mais satânico de uma certa pintura de um certo romantismo furam-nos as órbitas e confundem-nos visão e sentidos. Esses bichos suam, devoram-se, esfarrapam-se, os seus gigantescos rabos bailam ao ritmo do entrar e do sair do sexo dele no sexo dela, assim como as elásticas línguas que partilham e unem e comem. As espessas trevas envolventes desses seres são incomparavelmente mais aprazíveis e chamativas do que os ecrãs verdes de todas as possibilidades dos efeitos especiais. Uma enormidade, uma constatação, um funeral.
Carax punk, Carax metaleiro, Carax orgástico e Carax cangalheiro. Na proliferação e inutilidade diária das imagens fáceis do digital, HM é um voraz caleidoscópio em que o cineasta sai de sobreaviso e de olhar limpo em busca da imagem essencial. Que é, ainda é, nem que se lixem todos, a emoção. Aulas de coragem contra aulas de conforto. Fora academias.
De Palma também falou isso, do essencial no cinema ser a emoção, numa entrevista para o Ípsilon, na semana passada se não me engano...
ResponderEliminarO Boyero, crítico do El País, disse que o filme do Carax é para "moderninhos"... Mas que raios ele quis dizer com isso?
Não faço a mínima ideia, nem quero fazer. Mas: um Hanekeano da velha e bolorenta e catequética e por isso nojenta academia europeia? Ou, o que vai dar ao mesmo, senão pior, um "radical" metafisico e espiritual e Wittgenstainiano pensador de uma das tantas Film Comment deste mundinho, que, de tanto palrar, se torna ainda mais velho e pedante e ridículo que o da anterior hipótese? No fundo, fascistas, ressabiados e arrivistas completamente presos a coisas fétidas (a esquerdalha que anda por aí é outro exemplo), almanaques de sempre e beija-mãos, gente que jamais conseguirá ter um lampejo de liberdade ou um olhar limpo.
ResponderEliminarCongratulo-te por conseguires arranjar as palavras certas para te pronunciares perante este filme. É um filme grandioso que me causou um enorme deslumbramento e, por isso mesmo, ando com dificuldades em arranjar uma linguagem para me referir a esta obra.
ResponderEliminarCumprimentos,
Rafael Santos
Memento mori