sábado, 9 de março de 2013

 
 

Depois de ter trabalhado em cinema palavras e mundos de Stefan Zweig, Johann Wolfgang Goethe ou Arthur Schnitzler, o incomparável Max Ophüls decidiu pegar em Ladies Home Journal story "The Blank Wall" para arrancar uma das suas obras mais surpreendentes. Nem um pouco isto me admira, acredito que se ele tivesse escolhido qualquer coisa à sorte de qualquer Correio da Manhã da época, aplicaria a sua encenação com a mesma profundidade.

Tudo gira à volta de uma atómica mãe galinha feita por Joan Bennett, nitidamente castrada como o Cary Grant do “North by Northwest”, toldada, com o muito peso familiar que acarreta para cima dela mas sem peso do sexo masculino. Portanto, malgrado o duvidoso prestígio da fonte literária, continuamos em espaços de fêmeas onde os homens são de alguma maneira presenças potencialmente perturbadores.

Ou seja, a mãe vai pedir explicações ao amante da filha muito nova e disto desponta uma teia irreversível de mortes e frustrações. Morre o primeiro deles, e a elipse do presumível despejo do cadáver no lago é tramada pela impossibilidade de um clímax relacional com eles, as trevas caem para todos os planos, “The Reckless Moment” volve-se ultra expressionista, e cada sombra por si perfaz o grande novelo que a todos pretende estrangular.

Ophüls vai sempre aos limites e a gravidade dói por rasgar na realidade, o plano sequência tem a convulsão de um Mizoguchi destituído de misticismo, antes esquadrinhado pela erótica de Hitchcock. Erótica vertiginosamente afagada pelo crime. Câmara filmante abraçada aos dois elementos que se julgariam opostos e assim cúmplice como o espectador. Portanto, uma corporalidade e uma massa carnal, sanguínea, latente, cinética, que está já em 1949 muito para além de um possível acrescento de veracidade do 3D.

James Mason é essencial no eclipse sentimental e na aurora possível, e portanto comovente por acreditar poder aceder a universos proibidos, esse durão aquando da primeira entrada, alma que se vai derretendo pela temperatura desconhecida de Bennet. Ele que diz que está a amar e a ser bom e verdadeiro pela primeira vez, depara-se com uma frivolidade gélida que já não sabe amar. Resultado, colisão fatal.

E se paixões queimantes finalmente se entreveem estas só na morte ou olhando olhos nos olhos com ela serão passíveis de se manifestarem. É preciso amar na morte pare se se poder entregar inteira novamente ou pela primeira vez? Porque ali o milagre Capriano ou Rosselliniano é funestamente ao contrário e o plano final é descendente e confessional, envolto em lágrimas novas.

Gemidos finalmente producentes, num percurso libertador onde o cineasta Alemão, e ao contrário dos meus refúgios de hoje, não faz cinefilia, antes anda de picareta no olho para escavar sobre estados e emoções puramente humanas rumo a descobertas e redescobertas, tal como se destapam femininas curvas e se toca no absoluto.

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