domingo, 18 de maio de 2014



Há um romantismo não dito mas nem por isso menos sôfrego e fundo que atravessa parte da odisseia de Alan Dwan. Esses momentos ou validações perpétuas que alguns podem experimentar, outros não, e o porquê não dá de si. Agora sim, encontrei a liberdade. Agora, estou livre. Concretiza um desertor dos mares a uma ninfa de tribo canibal quando finalmente lhe aplica a diferença entre o amor e o peixe, o beijo e a rede ou o mergulho. Nem se trata de metáforas subtis ou filigrana erótica mas sim uma possibilidade de comunhão virgem. O desertor é o Dana Andrews dos noirs e policiais de Preminger ou Lang, ultra calejado pelas vivências em cada porto e com cada mulher do interminável atlas. No epicentro do perigo, ele, confio eu e vê-se no seu olhar que transcende à alma, prefere largar a civilização e entregar-se à selvageria. Só que como nas ambiências de Murnau ou Herman Melville, nas sombras e luzes e obscuridades com que Dwan também se decide envolver, há Tabus e demónios a que o homem mesmo despido de crenças e disposto a reentrar na origem, se vê obrigado a disputar. Embates inacessíveis ao comum pois resguardados para poderes outros do lado da metafisica, mostruário das nossas distâncias, portas inacessíveis.

“Enchanted Island” comporta em si, no seu âmago, a tragédia de uma união impossível que está inexoravelmente minada. Uma tragédia, cavalgante na imperturbabilidade e no pacifismo do olhar perene e incorruptível do grande cineasta desassombrado que tudo tem a latejar por dentro ou em espírito. Tragédia despoletada gravemente pela ausência do amigo; o marujo que fugiu com o amigo, se perdeu nos abismos da paixão, no turbilhão dos novos mundos, mas não consegue esquecer certos segredos, certas promessas invioláveis, laços ecoantes do berço. Concentrado como o chamado melodrama, sem sublinhados de género ou desgarramentos imagéticos à Douglas Sirk, mas num ritmo drenado e numa respiração indizível e incontrariável sem código. O final, a fuga dos amantes para lado nenhum, nesse instante em que ainda se tentam enganar, onde as famílias comparticipam da fealdade vertiginosa e tão amarga, corpos tão belos perfurados pelo inabalável mal tão abstrato como preciso, o seu destino último é como esse da morte. Entregam-se à liberdade total que nenhuma facção ou autoridade poderá jamais meter em causa. Exercem o direito derradeiro e revolucionário e num plano igualmente para lado nenhum e chorosamente seco pode entrever-se um céu, paraíso deles. Pacificamente, sem esgares, inteiro, num dos cânticos limite ao amor mesmo na morte; feliz pela aceitação em assunção e pelas possibilidades infinitas do desconhecido. Tudo se sabia desde a chama iniciática, sem possibilidades de ilusão ou enfeite; palco de explanação milimétrica da fusão de uma carne com outra carne depois dela. AD teceu o cúmulo do romantismo, chegando ao sagrado como que em divina figuração terrena junta a Michelangelo, sem chamar por isso. Mas, diga-se, com muito mais sopro de vida e experiência concreta do que fascinação ou fantasmagoria cinematográfica.

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