domingo, 2 de novembro de 2014
Em "Hombre" os comboios e o dito civismo estão prestes a rasgar o Oeste do Western selvático, no último encontro que Martin Ritt teve com Paul Newman no papel mais fantasmagórico e estranho deste. Intriga mil vezes contada da caravana assaltada, dos brancos e dos índios aos tiros, do consequente jogo do gato e do rato com direito a duelo final. Ainda por cima baseada numa novela saída da pena de Elmore Leonard, tantas das vezes associado ou tratado em modo pulp ou pop. Então: nada de pós-modernismo ou revisionismo de género, nem mesmo o expressionismo e o brilho do "3:10 to Yuma" que importa. Nada de nada disso que referem as sinopses, antes todo o contrário, um entorpecimento e um desinteresse que lembra o que Monte Hellman faria pouco tempo depois em "Two-Lane Blacktop" ou o que Michelangelo Antonioni tanto nos meteu pelos olhos e orelhas adentro e à subtil força. Nada de nada das girândolas e dos foguetes de fim de um tempo que por estes anos e nos próximos marcariam um lado na chamada "nova Hollywood". A violência é seca, ao retardador, inesperada, por vezes perfeitamente arbitrária, sem uma lógica de causa e efeito traçada pela previsão da caneta de um argumentista catedrático. A metafísica e o arty que tanto projecto análogo destruiu e insuflou de orgulho, estão calcinados e reduzidos a cinzas pelo peso da concretização e prática em grau pleno. O lirismo, brisas ou chamas, brota encravado, preso, calcetado.
Os mortos, mortos estão, é o que diz o Hombre Newman (colagem de contradições ou inteireza libertária) à mulher que sempre o vai tentar devorar. Respondendo-lhe ela que isso é o que ele pensa também dos vivos. Mais para a frente vai-se colocar tudo em causa, de Deus aos céus, da infância ao fim, acabando por se vacilar nas questões e experimentos dos infernos. Em terreno onde se percebe claramente a falta de moral e de medida, de humanidade, o único molde de sobrevivência é adaptar-se a essa violência inaudita. Naquele grupo que parece uma amostra acabada do universo, comportando do mercenário político ao casal sem saída, vai-se lentamente percebendo, muito lentamente e a ferro e sangue frio, que só respondendo com dobros e pela circunstância se poderá avançar alguma coisa que seja. No fio da navalha e na transição, só se pode forçar o plano. Estranheza, categoria capital, pois é um finalizar das entranhas e das caves escaldantes de outro genial Delmer Daves, "The Last Wagon", até no paroxismo que vai de Richard Widmark a Newman; e um encontro com o Manoel de Oliveira pelos bastidores que conduzem a "Benilde ou a Virgem Mãe". O completo descascamento até à essência de cada enquadramento, onde cada ângulo, cada tempo, suspensão, composição, geometria, linha e poeira, sonoridade concêntrica, a abrupta distância entre o muito perto e o muito longe da lente, fazem coro silencioso com os corpos que na viragem reiniciam. Princípio de mundo, como a fusão final ao para trás.
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