sábado, 20 de junho de 2015



Uns por aqui altivos e incomunicáveis e secos como polícias de beira de estrada ou no gabinete ferrado. Uns anónimos e sem rastro, lembrança ou encalço tal e qual lugares de estacionamento do parque mais concorrido. Os que tudo entregam, tudo trabalham e dão a outra face não na humilhação mas na obstinação suprema. Os que velam por cada alma nos silêncios do mais acabado escuro. Corpos largados ao vento e à sorte que gastam o tempo permitido a tentar encontrar o chão firme. Os fiéis como estátuas ou genuínos apóstolos e os trementes e pecadores tão legítimos como.

Aprender e apreender o caminho da vida e aprender e apreender o caminho da morte. Saber da treva e saber do brilho da luz. Da justiça terrestre e da plena. O que está escrito nos altos e o que podemos escrever. Do impossível e da vontade. Muitas vezes se vai a Deus, aos seus escritos, testemunhos, mítica, incomensurável fonte. Isto está em “Battle Hymn” e em todos os obcecados e perdidos na procura; filme onde homens torturados que foram à guerra procuram razões superiores para os seus actos e para seguirem em frente; onde imperturbáveis sábios também fazem calmamente a mesma busca trucidante em terra queimada; num entrelaçamento e acordo nos quais se sonda e clama instante a instante a mais greve e eterna das questões, o porquê das coisas acontecerem como acontecem e não como deveriam acontecer. Obviamente que a recente tragédia que ilumina as sombras da vida presente em “American Sniper” de Clint Eastwood é mais um remake exacto e geométrico do filme de Douglas Sirk – de vez em quando há que cimentar as fundações; “Battle Hymn” já era remake de muitos mais e sobretudo de quem pisou e respirou verdadeiramente.

“Isso não tem lógica, regressar à guerra não tem lógica.”, é o que diz a mulher terna e esbranquiçada de medo do guerreiro queimado. “Não procures a lógica, não irás encontrá-la. Nem sempre temos que ter um motivo claro para o que fazemos. É apenas o que sinto.”, responde o dito guerreiro pelas entranhas inegociáveis. Guerreiro a que apelidaram assassino, que virou padre, que não se reconciliou com a paz entregue, que teve de voltar para o caos para algo começar a fazer sentido. Olhando para os outros e para o fundo dos outros, olhou para os desígnios mais profundos, para si e para o terrível e generoso do caminho e da origem aceite. No centro do centro do nefasto, jamais lição de moral ou patriotismo, mas uma concepção da fé que ultrapassa o seu circuito corrente para a colocar ou recolocar nos fundos ou voos da paixão. Esse guerreiro que trouxe à vida todas as crianças de todos os lados, que amou o melhor amigo nas misérias oficiais, que amou a sua mulher incondicionalmente, que amou a outra mulher que sabia não mais poder regressar a sua casa. A agonia da fé porque trilho da serenidade. De uma forma implacável, como bom antigo e revolucionário a sério, o mestre da estilização volve-se como sempre se volveu o mais realista dos cineastas e dos seres – todos os meninos são aqueles meninos e o genial Rock Hudson sua mesmo – o movimento que se pressente e sente verdadeiro tal e qual como se pega em dezenas de quilos de uma só vez ou se beija a face desarmada da Mãe. Sirk e Eastwood sabem que as aparências são só as cascas e a reverberação do impronunciável. Sem dissimulações. Estilhaços e inteireza num mesmo corpo contraditório e pleno. Para sempre.

Em qualquer paralela ou em qualquer meridiano, avesso ou direito, o fundamental que abole todo o palavreado: nada é certo e urge escavar sempre.

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