sábado, 26 de dezembro de 2015



O silêncio e a fúria - notas sobre alguns irmãos diferentes.

Visto agora “All the President's Men” dispensa candidamente a América de Nixon e o escândalo em causa para ser absolutamente um filme sobre a obsessão de dois homens por uma verdade. Quando a personagem de Robert Redford começa a escrevinhar e a personagem de Dustin Hoffman o começa a corrigir, a primeira não fica zangada pela segunda estar a querer os louros, mas somente por não lhe ter dito a coisa de frente. A partir daí não interessa o génio autorístico mas somente, e é tudo, juntar as peças que preencham o puzzle lógico. Uma correria entre fantasmas, medos, muita escuridão e ruído que é o caminho árduo do mal para o bem, da cegueira para a claridade, da injustiça para a justiça; seja como for, ideologicamente ou moralmente, a luta imemorial dos opostos. Alan J. Pakula e Gordon Willis não traem nada nem por um frame, acatam os silêncios e afastam o embalo musical, acolhem a atmosfera ao invés da ilustração, implicam-se no pormenor e no instinto para alcançarem um geral no trabalho e na constatação, o mais límpido possível e sem margens para desconfiança. O zoom final antes do veredicto e da História, o suor a entranhar-se nas aparências, o empenho a estilhaçar o embuste, as insignificantes personagens de Redford e de Hoffman a calarem o espectáculo global, é a prova de que a persistência e a dúvida são um par tão bonito como os dois em acção, fasquia sagrada dos muito antigos em espaços remotos. Que se pode pagar tão caro como toda a solidão que os envolve na cruzada, sem mulheres, sem “vida” digna das aspas, até sem carreira recomendável. Somente a pulsação da verdade algures entrevista sem pedido.




A lógica ou a congruência da obra ou desobra final de Robert Aldrich mede-se e une-se pela vida das coisas, isto é, de que raio são feitas e como trabalham. “The Legend of Lylah Clare”, não tão derradeiro e o mais funerário de todos, mete em discórdia a carne passada de uma estrela do cinema e os quadros em cima dos quadros antes da técnica do split screen ser ensinada nos cursos de artes e de ensaio, e o efeito nunca se torna vedeta mas antes descarna sem possibilidades de remissão o declive central – não se aceitando as rugas, como não se aceitando o tempo, aceita-se à força os cacos das máscaras quebradas. “The Longest Yard” poderia ou não poderia ser apenas um cavalo de corrida nas bilheteiras, ou um manual ultra avançado do filme de 1968, só que veja-se: 1) a sequência de abertura, onde se capta pela primeira vez um cigarro, a bebida incendiária ou salvadora, os vícios que não estes e a colisão do sexo com o permanente, sendo que toda a questão da película e do analógico surge sem retórica e tão em tudo ou nada como num diálogo entre Quentin Tarantino e Paul Thomas Anderson; 2) a troca de olhares e de fundos e de vísceras entre Burt Reynolds e Harry Caesar, onde de uma só vez os compromissos e a honra são tão consanguíneos como quando o segundo disse aos negros da sua raça que a irmandade existe muito para além disso; finalmente: o contraluz e a saída para o sol já em cima dos créditos, caminho para uma glória escrita nos altos, isto é, muito no dentro, sem actas; Conclusão: não se trata de um fresco glorioso e épico pela comunidade com fraternidade revestida como o atingido por Ted Kotcheff em “North Dallas Forty”, onde Nick Nolte entra simultaneamente nos terrenos da selvajaria e da hagiografia além pecado, mas é evidentemente um coração a salvar no caos. Em “Hustle” há um polícia bruto e uma prostituta delicada, ou um delicado polícia e uma prostituta ainda mais brutal, mas a maneira como os corpos de Reynolds e de Catherine Deneuve encaixam tão perfeitamente como se magoam sem definição no quotidiano, são o reflexo dessa luz sumptuosa fornecida pelas cores e pincéis dos anjos dessa terra mítica, ou de entidades similares por eles, em que os dourados dela e o moreno dele perfazem o tom singular e único permitido a qualquer par que realmente exista, e então eles respiram por inteiro nos espaços abertos ou na casa das bonecas, fazendo a tragédia parte do acordo com a beleza - “Hustle” não é um action movie e essa luz indefinível é mesmo tão potente como o “Cu Cu Ru Cu Paloma” que vem do longe para o perto no Sirkiano “The Last Sunset”, palco de punks negros e de crepúsculos ruminantes em convívio antes dos movimentos radicais.

O composto final de “The Candidate” é tão triste como aterrador e ridículo, sendo que todo o excesso posto em cena e em baile por Michael Ritchie e Redford se esvazia e se cala numa incerteza Bressoniana que poderia limpar o esterco de “All the President's Men” se esse possível reinício não estivesse minado pelas maquinações do acaso. Sendo que o acaso não pode aí ser irmão do encontro e do par, ou seja, do belo, pois é o cérebro abstracto que faz parte do grande circo e do aplainamento que apela à degradação. Ou então, esse vazio tão oco, ecoante, imprevisto e imprevisível é tão válido como o seu inverso, e seja o que Deus quiser. Seja como for, está lá uma porta e a fuga, a tranca e o descaramento.

Homens de pé pela sombra da dúvida, de onde o tema e o presente são veios, como pregas ou órgãos, desse espectro. Sendo a verdade, pedra de toque que alguns reconhecem sem dicionário ou bíblia, a gravidade que os segura. Tudo.

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