domingo, 12 de fevereiro de 2017

"Blood on the Moon", Robert Wise, 1948

Em “Blood on the Moon” Robert Wise pega na poesia do título e no significado que os nativos - que no filme quase nunca vemos - lhe dão para iluminar tudo dessa forma: grandes paisagens, cimos ou interiores de cabanas, cantos de saloons ou os infinitos céus dos Deuses, como que através da chama bruxuleante e quase nada de um fósforo; chama quase sempre à beira de morrer que tenta salvar alguma coisa a sangue negro ou a carvão de diamante mal lapidado; textura bravia e fragosa que é da mesma casca da face descarnada do Buster Keaton carcomido pelo álcool que a vida e os imbecis lhe franquearam, do peso do ar e da matéria do pó dos suicídios e das transfigurações de Philippe Garrel, do romantismo terminal inconsciente cravado no desfigurado Montgomery Clift que em “The Young Lions” se esventra perante o anjo caído.

Nos primeiros planos está lá tudo, a chuva como lâminas dos altos, a envolvência agreste a comentar vontades circundantes, a neve, a escuridão e o inferno ao longe; e um fantasma no epicentro, o Jim de Robert Mitchum, que vai sendo confundido, ameaçado, maltratado, como um Imigrante ou um Nativo - as pulsões do mal fundador daquele território a embaterem e a serem sugadas na sua massa e na sua aura que ou já viu de tudo isso e vomita-o ou nunca viu nada disso, perfeito inadaptado neste palco para excelentes actores.

Wise, e o caça-fantasmas, porque os olha de frente e os fixa assim, Nicholas Musuraca, partem dos dilemas e paradoxos do western e filmam tudo como num noir, séculos e pisos unidos pela lixeira da ambição e da ganância; os genocídios do berço, uterinos, o visco da cidade, máxima modernidade e máxima alienação. Jim, o homem que transforma a sua fama de assassino em lágrimas de redenção e de reinício encontra a mulher, a sua pura, depois de vaguear e de se entregar à sorte dos ventos e da ausência de luz, passada a relação com os brilhos indefinidos e o contraluz da morte, e a composição triangular, o movimento lancinante e deslizante e a entrada no lar parecem uma anunciação vistas as cinzas derradeiras. Mas o que permanece são mesmo esses gritos, uivos, animalescos do perdido Jim a comentarem o facto de a honestidade provocar risos e estupefacções, corpo ardido em paisagem ardida, para uma ressurreição à Carl Theodor Dreyer.
 
Holywood, ou os despromovidos de uma RKO, a perscrutarem este e todos os mundos outros, entregando-se à incerteza, da existência e do cinema como uma só coisa. Inegociável e temerário.

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