quarta-feira, 12 de abril de 2017

The Juggler, Edward Dmytryk, 1953

Por causa da loucura e do sadismo dos homens a maior paixão de Kirk Douglas em “The Juggler” de Edward Dmytryk torna-se a sua condenação. Antes da segunda grande guerra mundial, antes dos campos de concentração, antes da criação do novo estado de Israel, Kirk era um malabarista famoso, mas famoso não por causa de algum brilho inútil mas sim porque desenvolvia e partilhava com os outros a sua grande dádiva, o seu talento, aquilo para que nasceu – apaixonava-o mover os objectos para cima e para baixo, suspensão e equilíbrio, o velho gosto de desafiar a gravidade.

Mas depois, ensinaram-lhe que o terror pode ser mais forte do que o desgosto, quando as paredes ganharam vida e se moveram para o esmagar, quando suplicou ao solo rijo a morte mas ele era duro demais, quando partilhou o ar de um homem com dez e aí, nesse atrofio do para cima e para baixo, da suspensão e do equilíbrio, da gravidade, convenceu-se que a casa é um lugar a se perder. Tornou-se egoísta com os seus prazeres impartilháveis e tornou essa recordação agradável. O terror a martelar o medo. A loucura e o sadismo de certos homens a tornar as coordenadas, a geometria e a física dos sonhos no maior dos pesadelos.

Já era assim em “Give Us This Day”, com as tempestades nos céus e os cristos de betão em digladiação, a ontologia ou a sublimação da pureza trucidados pelo poder. Depois de tamanhas visões e descargas o malabarista de Kirk só vai conseguir reduzir a cinzas o seu retrato criminoso de jornal e deixá-lo assim, sem magia. Mas Dmytryk, implacável e a ter de ser tão duro como os monstros, no meio de tanta descarnação, agrura, pó – é um dos grandes realistas americanos, fundindo a epifania absoluta da natureza em Vidor com a revelação da matéria em Rossellini, atingindo então a transfiguração e o espírito – passa com Kirk o dom ao menino Israelita, em eterna Galileia, entre (mas que não se esqueça daquela dança mitológica que começa a meter a essência nos eixos devidos) a aparição da mulher e o terrível travelling ou zoom que lhe fura cara adentro, transforma a pele em grão, perscruta as entranhas, destrói o atrofio e recupera o balanço, o cimo e o baixo, equilíbrio, gravidade. Dmytryk, funâmbulo e consciente, defronte do mal abstrato e exacto, sabendo das magias e das maravilhas humanas, conhecendo o poder da aplicação do recurso certo da câmara aliando-se à montagem – do arejamento e da clausura como da carne e do espírito – acata a contradição, percebe-a, mas também a desmonta, com tudo e mais alguma coisa em direcção às justiças e vinganças que Chaplin tanto meteu em prática. Terrífica e equilibrante luta.

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