sábado, 19 de agosto de 2017


"The Fearmakers", Jacques Tourneur, 1958


Agora em vez de se informar as pessoas, inventam-se factos. Fabrica-se de tal forma o medo que se pode vender a paz a qualquer preço. Isto são sínteses do veterano de guerra Dana Andrews na segunda lavagem ao cérebro agora no seu país natal. Logo depois de regressar e de o médico lhe dizer que não percebe as causas do seu mal-estar alguém lhe atira com o sono que encerra a emaranhada porta da inquietude por Shakespeare. O seu homem é o homem solitário de que não vemos réstia de passado, de lar ou de recordação e que assim vê melhor o contracampo do infame campo de batalha do outro lado do mundo. Alguém que não percebe a sua condição de solitário nem a aceita nem perdoa tal. A civilização e o mundo tecnológico que tudo escrutina e antecipa a que regressou como quem redescobre o que desconfiou é o resultado e o móbil da aberração visceral das bombas e dos corpos estraçalhados.

Este Dana Andrews que passa o filme a desmaiar, a ser furado por pesadelos e por uma nova espécie de horror abstracto que é o rosto e motor de todos os genocídios e totalitarismos do último século, é o morto-vivo mais temerário da obra de Jacques Tourneur. Morto para a felicidade e para a vida corrente pela grande máquina, vivo porque não perdoa o espelho que essa morte lhe devolve. Evidentemente que “The Fearmakers” é presente para sempre puro e tem como personagens centrais e mabuseanas Donald Trump, os ataques terroristas diários ou os incêndios portugueses; o grande medo que nos fazem suportar para comprarmos a pequena paz ao preço que nos fizerem. Assim a cena final em que os monstros dão meia-volta em face de Abraham Lincoln e onde se constata que a lavagem não vai parar e que inclusive se tem de enganar alguns que não mereciam para vencer, é a união da elevação moral torturada passada a gesta épica e clássica com a inocência dessa pura menina que foi ter com ele simplesmente com o olhar.

Tourneur, que nunca fez as coisas parecerem piores do que são pela manipulação cinematográfica, apenas precisou em “The Fearmakers” da realidade para isso, do estado das coisas e do nexo enviesado, da chamada evolução necessária como necessário é o medo renovado; os choques entre luz e sombra e as possuídas aparições, panteras e leopardos da sua “imagem de marca”, soltaram-se integralmente quando se fixou num lugar específico e num tempo concreto. Ultrapassados ou unidos os abismos da fantasia e do realismo, do verismo e da loucura, vem ao de cima tão clara como o negro que representa essa noite na alma que é a causa de Tourneur. Aquilo em que somos capazes de nos transformar para apagar essa noite toda. A luz e o medo.

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