segunda-feira, 6 de agosto de 2018



Frantz, François Ozon, 2016

A beleza imprevisível e intacta de "Frantz" para nada serve sem a transcendência da partilha; a incomensurável paisagem, a regeneração possível cedida pelo vento nas árvores, um brilho lancinante da água num lago, experimentados sozinhos, não têm a capacidade de florescer o espírito atormentado pela Guerra permitida pelos homens. Não apelam à revelação. Os dois seres mirrados, em deambulações ao deus-dará, que desde o início são puxados um para o outro em terreno hostil e por uma presença física que não existe, só alcançam o sentido da existência numa impossível comunhão com o passado ou nessa potente luz que vai emanando da verdade da assunção dos sentimentos; uma verdade que não está nem nas palavras nem nas intenções mas sim na presença e no presente inteiros, trabalhando no coração do próximo rumo a futuras primaveras; os olhares sem freio, o rosto descarnado, a entrega despida são as sementes e o sol garantido para todas as próximas temporadas.

Assim, as cores podem brotar nos resgates do que já não pode advir, mas também oferecer o milagre de quem ousou a coragem e o passo para o abismo ao invés da segura razão. Compaixão, compreensão, perdão. E finalmente o amor. Talvez aquele amor para lá de tudo que alguns chamaram Omnia. E que permite que de um quadro suicidário de Manet surja o espectro fulgurante das chamas de todos os futuros amanhãs. Para lá das teorias ou das dialéticas, com a bênção do Ernst Lubitsch de “Broken Lullaby” e o trucidante paraíso virgem de cada entrega no absoluto.

François Ozon e os resgates de uma graça indescritível e silenciosa que já parece fazer parte de um mundo irremediavelmente perdido e só entrevisto nos velhos sonhos.

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