terça-feira, 4 de junho de 2019

Felix E. Feist



Felix E. Feist é mesmo dinamite, cepa que não engana, mais um tiro certeiro do festival Cinema Ritrovato, poeira levantada de um baú enterrado fundo demais onde valeu a pena sujar os olhos e a consciência. Mesmo com argumentos vacilantes, trémulos de realismo e nexos inverosímeis entre situações e personagens – que fariam o último master do script doctor ficar chocadíssimo – a mise en scene e o choque magnético com a realidade é de vida ou de morte instante a instante, seja um corpo esgaçado ou a parede de concreto falso que impede a fuga. A fuga, mesquinha ou atómica.

E assim está no mesmo comprimento de onda e com a mesma pressão essencial, na tal distância entre dois máximos consecutivos do campo, cravados entre os fora-de-campo, de um Kendrick Lamar que cada vez que abre a boca ou dispara um beat é para morrer se for preciso; ou do Kawi Leonard das quadras de basket a dilatar o tempo diante dos olhos mortais na construção e posse inata da beleza; a palavra definitiva seja ela qual for e a moral que se tornou sagrada na existência do cineasta espanhol Víctor Erice. 

Dos filmes de 60 minutos que entre 1947 e 51 aproveitaram o templat do género noir para documentar os limites da persistência da garra do passado e da marca a fogo ferrado da memória, para lá do bem e do mal, para lá da argamassa mexida da infância ou da convulsa edificação adulta, "The Threat", em confins e nos cárceres apocalípticos de quem viu uma Grande Guerra pela televisão, nos campos de batalha, ou a distender-se até aos passeios do quotidiano e da normalidade, é Raoul Walsh + Joseph Losey, o meio natural fechado ao humano e o meio visceral que o cospe em redundância incompreensível, isto é, em erro de redundância cíclica. Pequenos filmes, brutais, sujos, improváveis, assustadoramente lógicos.

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