Without Limits, de Robert Towne, 1998
Já na introdução a este ciclo sobre desporto tinha falado da
homenagem feita pelo grande argumentista Robert Towne a um dos mais estranhos
destinos e a uma personalidade que mais do que “teimosa” – como muitos no seu
tempo apenas quiseram crer – se aproximava perigosamente – como sempre – da
poesia. Without Limits tenta apanhar a cada momento os resquícios
voláteis e a aura fúlgida e logo fantasmática de uma existência que de tão
intensa parecia estar sempre a poder desaparecer para sempre num simples piscar
de olhos. Para tactear essa sensibilidade leve como o vento mas absolutamente
resoluta chamada Steve Prefontaine, Towne convocou um dos maiores directores de
fotografia de que temos memória, Conrad L. Hall, e foi como pôde até ao fim do
enigma do corredor de fundo que decidiu atacar sempre o primeiro lugar desde o
tiro de partida ou então falhar grandiosamente; e, quando não o fez, no auge da
precoce carreira, matou-se a ele mesmo ainda antes da tragédia que lhe iria
ceifar a vida, antes de todas as medalhas ou antes de todas as polémicas vãs.
Without Limits é a aproximação vaga e possivelmente
impossível desse hieróglifo puramente humano que respeitava e queria muito o
seu treinador Bill Bowerman - Donald Sutherland, soberano – mas que não se
desviava um milímetro da sua poética, do seu coração ou dos quartos complexos
do cérebro que o ordenava. Talvez fosse uma resolução simples e afinal bruta de
um Macho Alpha – apenas se sentia «um conas» se usasse a táctia habitual de
muitos campeões: ficar na cauda do pelotão e atacar no final; ou algo intrincado
ligado com a neurociência e com a formação ontológica; ou simplesmente, e aí a
luz de Hall e o olhar de Towne parecem corroborar, estamos no campo do
indomável, da poesia, precisamente: e a arte, como um pintor ou um romancista,
de Prefontaine, é de cada vez esboçar e cumprir um plano arriscado, em rede
tensa, um poema em pista, a sua catedral, o sua Capela Sistina, muito para além
do entretenimento, do espírito olímpico ou do desportivismo. Steve Prefontaine
parece a cada corrida rasurar na pista de tartã – mas na terra ou no cascalho
seria igual – o seu ideal de mundo e então de beleza, e matar-se para o cumprir.
E aí muitas vezes o ganhar não era o fim absoluto – como os hustlers
americanos, de Jordan ao Newman de The Hustler – mas algo a um tempo
e nesse espaço longínquo e composto numa das partes do edifício, da sua
estrutura que não compreendia a vitória como a cúpula perfeita. A atitude, o
arrojo, o explanar da vontade e da sua compreensão do mundo criavam então essa
beleza – não premeditada como todas as belezas – única e intransmissível da
verdade. O que leva obviamente a questão para os campos da solidão, da dor, e,
para os místicos, da Paixão. «A
lot of people run a race to see who is fastest. I run to see who has the most
guts, who can punish himself into exhausting pace, and then at the end, punish
himself even more.», palavra de Pre.
Imperscrutáveis são os fardos ou as redenções que alguns escolhem ou não escolhem. Ainda mais estranhas sãos as estupefacções de quem as não compreende. E assim sempre foi.
Disponível no My Two Thousand Movies: https://mytwothousandmovies.blogspot.com/2019/08/sem-limites-without-limits-1998.html
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