segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Richard Tuggle (na foto), mais um daqueles nomes que não fazem parte da grande história do cinema. Nem da grande nem da pequena, nem de nenhuma, talvez. Assinou apenas duas longas-metragens, e escreveu para Don Siegel (esse génio!) o extraordinário “Escape from Alcatraz”.
Dito isto é um cineasta fabuloso, “Tightrope” é um daqueles pequenos petardos do filme de acção torturado de perder de vista.
Torturado, é como anda pelo filme a personagem de Clint Eastwood, o detective Wes Block. Divorciado da sua mulher, portador de duas pequenas filhas, a braços com um estranhíssimo e perturbante caso de um serial-killer. E a forma como esse paralelismo e interferência, da vida privada com o trabalho (e vice-versa), é trabalhada por Truggle e por Clint é arrasadora. Não é daquele tipo de filmes em que de vez em quando há um plano do detective a sair para o trabalho e a beijar as filhas, não, essa afectação mútua é obsessivamente trabalhada, mostrada, sentida. Com um certo humor, bastante audaz, mas também com um desconforto e um certo desespero indisfarçáveis. O filme é sobre esse balanço e o seu produto, as suas consequências. Consequências e acções que serão um ataque psicológico para Eastwood e para o espectador. Aliás, uma interpretação de Clint a colocar ao lado de qualquer outra das suas – homem já com um passado duro, presente estilhaçado e com muita pouca crença, num acúmulo de raiva que fará a sua explosão numa cena poderosa. Lá estão o basebol e os cães para compor a coisa.
Que filme notável, deliciosamente artesanal e singelo, daqueles que fazem das fraquezas as suas virtudes maiores e o engrandecem. É víscero, sujo, escuro, filmado com aquelas lentes recortadas, com as cores tórridas e com os ruídos que fizeram a história da década transacta a este filme.
Têm lá dentro cenas inclassificáveis, demenciais e não muito imagináveis neste tipo de filmes e do local onde são produzidos – as cenas de sexo, perfeitamente loucas, aqueles percursos de Eastwood pelas casas e bares de prostituição, aquelas luzes e a maneira de tratar o assassino, etc. Ainda as passeatas com as suas filhas e a nova namorada, naqueles lugares – quase cenas antropológicas e documentais – o desenho da personagem da namorada e o seu oficio, tudo inteiramente insólito e anacrónico, é preciso lembrar que o filme nasceu na euforia dos 80´s.
E depois é uma maravilha quando o filme pretende, elegantemente, fazer-nos cheirar os grandes filmes clássicos de detectives, de Walsh a Hawks, ou quando entra num romantismo que nos faz espectralmente sentir coisas que só a Hollywood áurea nos deu (a cena das ostras, no barco).
Os 20 minutos finais são ainda prodigiosamente proto-Michael Mann, nessa busca de realismo total e amplamente diferente dos classicistas que o procuraram e que faria, décadas depois, os milagres de “Miami Vice”. Isso e uma montagem, ala “Madigan”, de cortar a respiração e de fazer corar qualquer Wachowski deste mundo.
Patada final: muito, mas mesmo muito melhor, do que aquele filme com Jack Nicholson e de Polanski que papou uns Óscares, e que faz as delicias da classe dos argumentistas diplomados. Aí era ilustração e pompa, aqui é animalidade, fogosidade, coisa orgânica.

Exagerei? Não. É a minha recomendação para o ciclo Clint Eastwood na Cinemateca-Portuguesa. Para lá das obras-primas maiores do que obras-primas.

3 comentários:

  1. Dependendo da fonte Clint dirigiu de 50 a 90% do Tightrope.

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  2. ahahah, nota-se. mas não faz mal, nem retira mérito algum.

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  3. até o plano final é igual ao de "Sudden Impact" (outro filmão) que por sua vez é igual ao de...

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