segunda-feira, 28 de setembro de 2009

war is a drug

"The Hurt Locker" é o contrário de "District 9". Significa, entre outras coisas, que Kathryn Bigelow filma trabalho (e carne) em vez de nacos de cinema (e fogo de artificio). A câmara mexe? muito, muitíssimo, mas só assim poderia ser.

domingo, 27 de setembro de 2009

eu voto António Campos


nas salas, em DVD, na televisão. mexam-se!

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

É certo que “District 9“está bem feito, é sujo, razoavelmente visceral e não faz do seu todo e dos seus recursos técnicos um catálogo das últimas modas, do que está a dar, em suma, não parece querer vender o peixe habitual que estes filmes normalmente vendem. Mas não dá, por mim não compro, continua a ser muita a dor de cabeça sentida durante a projecção, num tipo de dispersão que em vez de sufocar e nos dar uma experiência apenas nos faz estar quase sempre a tentar juntar estilhaços da imensa desordem e de algo que vezes demais dá ideia de estar a ser conduzido em piloto automático – cada imagem e cada som têm que ser algo precioso e indispensável, não há outra forma de fazer cinema. Quanto à sátira e às metáforas acho que o filme só arranha e é pueril, ou então é o fantasma de Verhoeven e do fabuloso “Starship Troopers” a interpor-se constantemente no festival do filme de Neill Blomkamp.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Humphrey Bogart (e a Lupino, atenção), estilo meio punk e perdido de amores no “High Sierra” do Walsh. Mais um dos seus milhentos filmes cósmicos e shakspereanos (?, fuma menos...), mais um dos que nada conseguiria dizer a não ser: filme do caralho. (e já abusei...)

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Workshop “Vanguarda e Cinema”, por Carlos Melo Ferreira

28 de Setembro a 01 de Outubro de 2009

Escola Superior Artística do Porto


1. Modernidade, Vanguarda e Cinema. O conceito, a expressão e o significado das vanguardas no contexto da modernidade.

2. Vanguarda e Cinema. Estudo detalhado das principais vanguardas dos anos 20/30 do século XX. O caso Português e alguns outros.

3. Consequências das vanguardas: outras vanguardas ou a mesma? O caso especifico do cinema.

4. A situação das vanguardas na hipótese de uma nova modernidade. O caso do cinema. A extemporaneidade como parte irrecusável do contemporâneo.


Calendário:

1º dia: 14H – 16H 30M: sessão teórica;

17 H 30M – 20H: filmes de Man Ray + surpresas.

2º dia: 14H – 16H 30M: sessão teórica;

17H 30M – 20H: filmes “Um Cão Andaluz” (1928) e “A Idade do Ouro” de Luís Buñuel (e Salvador Dali)

3º dia: 14H – 16H 30M: sessão teórica;

17H 30M – 20H: filme “O Homem da Câmara de Filmar” , de Dziga Vertov (1929), ou “A Greve”, de Serge M. Eisenstein (1924)

4º dia: 14H – 16H 30M: sessão teórica;

17H 30M – 20H: filme “Pedro, o Louco” de Jean - Luc Godard (1965)



.....

Bem, digo já que não ganho nem um tostão com isto (como nunca ganhei um tostão com nada que tivesse a ver com cinema, é só gastar…). Quem me conhece deve ter uma ideia do porquê de eu recomendar este workshop. O resto é uma treta, coisas destas não são divulgadas em lado algum…

cem mil cigarros - OS FILMES DE PEDRO COSTA


menos 27 € na carteira, mas...ok, o tempo já passará melhor.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009




(peço perdão por meter a colherada, mas a imagem só poderia ser do mais belo, do mais lírico e do mais feroz filme do mundo – “Forty Guns”. Ah, também é o mais apaixonante…)

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

"Todos os que gostavam do Reis estavam muito dependentes dele, e ele, por sua vez, muito dependente de alguns aspectos nossos - a juventude, o conhecimento que tínhamos da música... Por exemplo, as letras das canções, como as dos Clash, tinham bastante a ver com a poesia dele, isto é, a poesia do quotidiano. Era bonito. Pessoas muito dependentes, muito fortes e muito fracas, que não precisam de ninguém e precisam de tudo - que estão sempre sozinhas. O Reis sempre esteve sozinho. Imensamente solitário"

o Pedro Costa sobre o António Reis.

sábado, 12 de setembro de 2009

quarta-feira, 9 de setembro de 2009


Joon-ho Bong é um cineasta extraordinário. É preciso ver um filme como “Memories of Murder”, mesmo antes de ver o “The Host”, para se perceber que nem por um segundo ele quer demonstrar tal estatuto. Os silêncios, os segredos, o investimento dramatúrgico, cénico, a orgânica da coisa…Coisas do trabalho, o contrário de exibicionismo, o contrário de mercantilismo.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

assim, falámos a mesma língua…

Sem atingir as alturas de “Xavier”, um dos melhores filmes portugueses de sempre, a última longa-metragem de ficção de Manuel Mozos, “4 Copas”, possui dois trunfos de monta: um belíssimo olhar sobre uma Lisboa estranha, suburbana e contraditória, e uma excelente direcção de actores. Outras vozes dirão que o argumento tem “buracos” e fraquezas, mas o cinema de Mozos privilegia sempre outras coisas: grandes momentos de cinema como o plano ao cimo das escadas, quando o par “amoroso” se reencontra, pequenos olhares, pormenores de encenação que vão muito para além de qualquer vontade de construir uma saga familiar. A chave do filme existe no modo como aquele salão de cabeleireiro extravasa da lógica realista, na primorosa forma de filmar a paisagem e de nela inscrever vultos fortuitos, quase fantasmáticos, no desespero surdo e contido da personagem de João Largato, na capacidade que uma personagem secundária (a fabulosa florista) tem para simplesmente ouvir. Pequenas coisas, grandes movimentos de sentido.

Mário Jorge Torres

domingo, 6 de setembro de 2009

quinta-feira, 3 de setembro de 2009


Agora com Stéphane Delorme e Jean-Philippe Tessé no comando. Oliveira na capa. Seria assim se nada tivesse mudado? Um fodam-se! (dos grandes e em várias direcções…)

quarta-feira, 2 de setembro de 2009


“Tudo parece perdido”

Começa assim a sinopse de As Bodas de Deus que César Monteiro reuniu em volume com os argumentos de Le Bassin de JW e destas mesmas Bodas de Deus, em Outubro de 1997, cerca de dois anos antes da estreia de As Bodas no Festival de Cannes.

A frase funciona para João de Deus tal como o vemos na Cena I, esfarrapado e hirsuto, com uma lata de sardinha em conserva, um naco de pão e meia garrafa de tinto rasca. Quem se lembra como ele acabava na Comédia de Deus não se pode espantar muito.

Mas a frase também funciona para João César Monteiro que não conseguiu levar a cabo em 1995 o seu projecto de filmar A Comédia e As Bodas como um só filme, em duas partes, a primeira em Lisboa como viria a acontecer e a segunda em Paris como nunca viria a acontecer. As peripécias parisienses foram tais, aí por 96-97, que João César teve que desistir. Chegou a pensar que a “teologia de Deus” ficaria incompleta e apagou as mágoas em Le Bassin de JW, filmado em Maio e Junho de 1997. O péssimo acolhimento reservado a esse filme, a “desorientação” (sincera ou fictícia) que o realizador disse ter experimentado durante e após Le Bassin, a impossibilidade de retomar em Paris as filmagens de As Bodas de Deus, levaram-no a considerar que para ele, como para o seu personagem “tudo parecia perdido”.

Até que “in dulce jubilo”, num “velho parque solitário e gelado” duas sombras se encontram: a de Deus e do Enviado de Deus, novamente Luís Miguel Cintra, agora sob a aparência de um oficial da marinha mercante. “Num velho parque solitário e gelado” é a tradução literal do primeiro verso do conhecido poema de Verlaine Colloque Sentimental. “Dans un vieux parc solitaire et glacé / deux formes ont tout à l’heure passé”. Só que João de Deus e o Enviado não são propriamente amantes desunidos, como em Verlaine e o parque está longe de ser solitário e gelado. É uma mata frondosa (Sintra) junto a um lago numa tarde soalheira. Da sinopse ao filme passou-se da solidão e do gelo à luz e ao sol.

Mas Verlaine não foi citado por acaso. Ainda João de Deus está a contar as notas, quando ouve o ruído de um corpo a cair ao lago. É uma menina chamada Joana (Rita Durão). Por causa de Joana, João só por milagre (mais outro milagre) não ficou sem o dinheiro. Mas não se salva uma vida em vão. Quando a roda da fortuna girou (nos três filmes girou sempre contra ele) e foi parar com os ossos à cadeia, Joana, que desapareceu quase no início do filme (entregue a boas freiras pelos bons cuidados do seu benfeitor) regressa para ser a única visita que o não deixa. Com a delicadeza de antiga amante (que, no filme, nunca foi) satisfaz-lhe os pedidos carnais. “Será da minha vista ou as maminhas também te cresceram?” (...) Achas que posso ver só uma? Tenho estado a pão e laranjas” - Joana faz-lhe a vontade. “São pequeninas”, comenta com algum enleio. “São as únicas. Há tanta beleza nelas que se não as guardas depressa dá-me para aqui o badagaio”. À hora da despedida, pedido ainda mais íntimo: um pequenino fio de Ariane, o que, quem tenha a memória do “Livro dos Pensamentos” da Comédia, já sabe o que quer dizer. E é depois de Joana levar a mão tão baixo para satisfazer o pedido de João, que este lhe diz a famosa frase do final do Pickpocket de Bresson: “Oh Jeanne, pour aller jusqu’à toi, quel drôle de chemin il m’a fallu prendre”.

Mais uma vez tudo é uno e só mentes rasteiras podem opor - ou mesmo justapor - maminhas e pintelhos ao apelo da Graça. Em Bresson, tratava-se de um ladrão e ninguém se chocou. Aqui, no caso de um erotómano de tendências pedófilas, voltaram com a conversa da abjecção e do sublime. Mas toda a sequência é celestial, e é esse o diálogo que rima com o poema de Verlaine. Joana é Joana de Deus. E é ela quem espera João à saída da cadeia para as bodas que César pensou filmar (estão no script publicado) e avisadamente não filmou. Porque a comédia acabou com a citação de Bresson e só resta um casal e um burrinho, como na Fuga para o Egipto ou como no final de Le Bassin de JW.

Entre a sequência do salvamento a as da prisão, decorre quase todo o filme em tom aparentemente mais “grazioso” do que os dípticos precedentes.

Rico, João de Deus mudou de classe e passou a Barão de Deus. O mundo dos ricos não é o mundo dos pensionistas nem o dos sorveteiros. “Deus não dorme” diz-lhe Joana quando lhe conta a vida, outra vez sob fundo de mar. “Mas eu durmo”, responde ele. Segue-se o fabuloso plano da romã - a imagem mais inesquecível deste filme - a cada um, cada metade, como só será evidente no final.

Vão começar os sonos e os sonhos do Barão, que incluem uma princesa polaca e um príncipe árabe. O Barão julga-se numa comédia e está numa tragédia. Ganha ao jogo e perde aos amores, depois de três das sequências mais irrisórias da obra de Monteiro, por uma vez seduzido pêlos fantasmas de Buñuel.

Retenham-se:

a) A meia-hora no pavilhão das rosas, quando a princesa Elena (Joana Azevedo) proporciona a João de Deus a visão da sarça ardente.

b) A sequência da “Traviata” em São Carlos, com os bonecos presidenciais, o anão, os manejos eróticos de João de Deus e da princesa no camarote e a câmara a subir até aos anjos dourados que encimam o camarote real. “Queremos Deus” cantam as plateias revoltadas. “Je deviens un opera fabuleux”. Mas aproxima-se a hora da sua perda. “Meu Deus, Meu Deus, porque me abandonaste?”

c) A “noite de amor” entre a Princesa e João. Deus exigiu demais de si próprio ou pelo menos exigiu tanto como o realizador ao actor. Filmar uma cena de cama com um belo corpo feminino nu e um corpo masculino, igualmente nu, mas de magreza e idade obscenas, podia ser uma das cenas mais abjectas jamais mostradas. Nunca o é, por um prodígio de “mise-en-scéne” inigualável. João de Deus dorme pela última vez. Quando acorda, já a princesa e os milhões vão longe e o monstro de Baal não deita fumos, nem mete medo.

Mais uma vez, João de Deus é expulso do Paraíso. Só lhe resta procurar o seu velho Lívio, o enviado de Deus, para tornar crível a história da sua fortuna e para que este o ajude uma vez mais, com sapatos de defunto.

Mas, no termo da trilogia, o seu duplo, doido varrido, e assumindo-se por Jesus Cristo depois da Ascensão, já não o reconhece e expulsa-o também. Nem Deus deve tentar tanto a Deus. E as últimas palavras do Enviado são os versos: “Quando eu subi aos céus / Disse para todos os mortais / Fodam-se vocês agora / Que a mim já não me fodem mais”.

Faltava o tema do Nosferatu. E ele vem. Nas fantásticas contorções de João de Deus na cela, ouvindo “E lucevan le stelle” da Tosca de Puccini. A citação do discípulo de Nosferatu (o das moscas) é óbvia. Mas João de Deus não espera nem convoca o Maligno. É Joana quem o vem esperar.

Na sinopse, João César Monteiro concluiu “Tudo é matéria de gelado, quod erat demonstrandum”. Mas isso era quando pensava terminar o filme no cume gelado da serra da Estrela. Ao terminá-lo numa curva do caminho (“morrer e só não ser visto”, como dizia Pessoa”), reenviou a trilogia ao mesmo signo com que a iniciara: a Mãe de Deus e os pobres de Deus, esses que “coitadinhos” vão e vêm, vêm e vão, e Dafné acaba por buscar, à hora da morte, para verem face a face o que nesta vida só puderam ver como num espelho. Ou como num filme, que é também para isso ou talvez só para isso, que o cinema serve.

O eterno retorno. Ou, já que tanto citei, “pagar para ver”, como se diz no poker e no filme, João César Monteiro pagou, sabendo – como nos outros filmes da trilogia – que só Deus pode ver tudo e que esse é o principio essencial da tragédia.

JOÃO BÉNARD DA COSTA