segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

obrigado

Se existem filmes que provam a liberdade do cinema enquanto arte e a sua capacidade de reunir, tocar e mostrar tanta matéria pelas vias mais simples, Trás-os-Montes de António Reis é sem dúvida um deles. Para além de um estudo etnográfico, sociológico e histórico daquela região, da sua paisagem e do país em que vive, Trás-os-Montes mostra que pode ser tudo isso (se quiser ser) apenas sendo um estudo cinematográfico. São filmes como este que deitam abaixo qualquer discussão sobre "cinema da indústria" e "cinema de autor" (os que a usam não perceberam que todo o cinema tem o seu autor) e que recentram as ideias nas possibilidades daquilo que o cinema é e pode fazer. Dizia-me um dos muitos espectadores que esgotaram a sessão de ontem na Cinemateca (que ocuparam cada cadeira e cada degrau da sala), meio a brincar, meio a sério, que APV tinha-se enganado: as pessoas não querem ver a Soraia Chaves, querem ver Trás-os-Montes. Basta parar de discutir e ver os filmes para perceber qual dos dois países é o nosso. O resto é conversa.

Francisco Valente

4 comentários:

  1. Diz o A.Pedro Vasconcelos na sua crítica ao Vasco Camara . . .

    "eu, que, nos anos 80, defendi Godard contra a fúria saloia de Abecassis, a propósito de "Je Vous Salue Marie", atrevo-me agora a atacá-lo! Mesmo que VC declare que não tem uma relação de fidelidade incondicional com o Mestre, há aqui um ressentimento freudiano: ele sente que eu matei o Pai! Ora, do que eu acuso Godard, que se tornou um eremita amargo, sentencioso e moralista, é de não ter tomado o poder. Os pintores impressionistas, os realizadores neo-realistas, a geração do Vietname americana, todos eles combateram os bonzos do passado e tomaram o poder, como lhes competia. Godard deixou os seus seguidores num impasse, e refugiou-se em Genebra - como fez Chaplin, quando percebeu que, na Suíça, os impostos eram mais leves -, a fazer filmes para o umbigo, com apoios oficiais. "

    E eu, atordoada com isto, pergunto-me : não é a arte absolutamente umbilical, e a expressão artística um acto individual, na pureza expressiva da sua génese? (mesmo que, no trabalho cinematográfico, considerando a parafernália envolvida, e o sistema commumente reconhecido que faseia a produção de um filme.)
    O primeiro ímpeto é o de fidelidade à ideia, subjectiva e própria, e não ao público abstracto. É corrupto o produto que se rotule artístico e tenha ao seu nascimento, por primeira ordem, as vistas postas no que se adivinha que quer o consumidor. ( o objecto artístico não deve reconhecer-se como um produto de consumo, acima dos restantes atributos.)
    O artista faz o que quiser (é esse o seu poder) e, mesmo que Godard já tenha feito filmes que receberam simpatias amplas e populares, não deixa, de forma nenhuma, de ter "poder" por já não as angariar. O aplauso é sempre um acréscimo de existência facultativa. Conquistar a autonomia visível, o estatuto que certifique e dê validade à sua tarefa produtiva, essa é a maior aspiração mais desejável do artista.

    ResponderEliminar
  2. "É corrupto o produto que se rotule artístico e tenha ao seu nascimento, por primeira ordem, as vistas postas no que se adivinha que quer o consumidor."

    perfeito S.

    ResponderEliminar
  3. Eu gostava de saber é quando foi que o neo-realismo tomou o poder. Se assim tivesse sido, estávamos hoje muito melhor.

    ResponderEliminar