“Boxing Gym” um filme de Hawks? “Boxing Gym” um filme de Wiseman. A mesma coisa, pensava eu. “Boxing Gym” ficção? Das mais belas. Porque das mais ternas. Porque das mais sinceras. Humildes. Impossivél neutralizar a câmara. “Boxing Gym” documento? De um lugar, de um mundo dentro de outro mundo, de homens e das suas verdades e origens e segredos e medos. “Boxing Gym”, filme duro, filme meigo. “Boxing Gym”, filme igual a todos os filmes de Wiseman como os de Ford eram sempre igualmente “Ford´s” e sempre absolutamente novos. Frescos. Com todo um novo cosmos para descobrir/redescobrir. O Daniel disse-o bem. De memória, tipo isto: faz parte de um corpus gigantesco que só visto num todo fará pleno sentido. A mim surpreendeu-me. Como me surpreende os filmes de Wiseman. Ou os de Ford ou Hawks, já tinha dito.
É coisa assim: um barraco abandonado, quase quase western. Cá fora uns pneus, carros e nada mais de muito interessante. Lá dentro, e é quase sempre lá dentro que estaremos (do fora, não me lembro muito), vamos conhecendo uma família e os novos membros que a ela se irão juntar. Como filhos acrescentados sucessivamente. Não só homens lutadores, não só mulheres lutadoras. Mas rapazes e crianças. Raparigas e bebés. Todos providos ou tratados com a mesma inteligência e com a mesma altura da câmara e do tempo. Atitude de um primitivo. Mas também atitude de um dialéctico. Dos golpes e dos embates rigorosos ou mais ao menos brutais, aos conselhos da velhice ou da novice, rasgos de generosidade e de trocas. Complementos. Correspondências mutuas. Salvações. Promessas. Coragens. “Boxing Gym” filme moderno? “Boxing Gym” filme clássico? Wiseman está-se nas tintas. Wiseman envolve-os nas suas formas. No seu olhar. Não faz distinções e ao mesmo tempo recupera a particularidade de cada um. “Boxing Gym” filme que capta nervo, esforço, selvagaria e quase sangue. “Boxing Gym” filme que capta o choro de um bebé. “Boxing Gym” filme sem sinopse. Entrámos lá e ficámos viciados. Dialéctica e, claro, ética. A do distanciamento mas também a da aproximação. Troca-se a volta aos compêndios e constatamos que uma é da outra dependente. Sempre. Essa moral de lhes resguardar pela distância justa e logo de os agarrar. Só a distância, nessa linha direita ou quebrada, sabe que nada mais lhe interessa que perscrutar. Mais forte ainda, apreender. Wiseman é portanto um profissional mas principalmente um amador. Voltarei e terminarei com isto.
Volto ao Daniel, da maneira de que me lembro: aquilo são as origens da América dentro de um pequeno espaço fechado; o melting pot.
Nem mais. O que é a mesma coisa que dizer que poderiam ser as origens do mundo. “Boxing Gym” filme big-bang; gesto aglutinador das relações, do companheirismo, do trabalho, das dependências. “Boxing Gym” filme de amor como “La Danse”, o imediatamente anterior, era filme de amor. Amor de uns solitários ou de uns disponíveis – Wiseman ou as pessoas que por lá lutam/bailam – para com os outros e para com o corpo e a alma. Filme carne e filme coração. Wiseman jamais procuraria formas novas e tempos novos, jamais se deixaria levar pelas mentiras do estilo e do mundo que dizem que muda (muda mesmo?), para se mudar a si próprio. Jamais. “Boxing Gym” filme de velho e filme de novo. Filme de sede. Filme de quem mais nada quer do que os olhar e captar a graça. É possível resistir. “Boxing Gym” filme que assenta/re-assenta coisas no lugar. Nas tintas para a técnica embora a conheça de a a b. Nas tintas para a farsa do “novo” e logo algo autenticamente novo. “Boxing Gym”, o filme em que alguém diz – a personagem para mim mais comovente: “se não o fizeres tu, de dentro, ninguém o irá fazer por ti.” E o outro, espécie de irmão ficcional ou sanguíneo, agradece-lhe o conselho. E é como se houvesse choro sem choro. É o mais belo dos momentos.
Fred Wiseman, realizador profissional. Hawks. Fred Wiseman amador. Como os grandes. Como Hawks. A evidência, a funcionalidade, o rigor do olhar realista que atinge a serena poética não gritada. Os amadores são os que se juntam ao lado dos resistentes. São resistentes. Como esse tão generoso e tão duro e tão prático e tão complexo treinador e dono do ginásio do nome do filme.
São os que ainda acreditam na grandeza dos homens por inteiro.
“Boxing Gym” filme de um homem.
Onde conseguiu? Baixou em algum lugar?
ResponderEliminarDoc Lisboa 2010
ResponderEliminarAb.