Blake Edwards, cineasta de corpo inteiro.
Days of Wine and Roses.
- As elipses e a concentração. Uma criança que nasce do trio protagonista – homem, mulher, álcool – do aparente nada. Que cresce. Que eleva à tragédia o destino dos coitados apanhados pela bebida. Toda a expressão do tempo que destrói e das marcas que se instalam no seu último plano: "pareceu-me ouvir a mãe". Uma criança, simplesmente.
- Os espelhos. Ou os reflexos. Como quando Lemmon se olha à entrada do bar e vê o homem que ainda não conhecera/reconhecera. A outra face, outra vida. Ou todos os espelhos literalmente ou os espelhos dos outros e nos outros. Distorção, dilaceração e destruição em caleidoscópio. Vertigem abismo. Um fatalidade.
- A cena em que Lemmon volta de Houston despedido do trabalho e pronto a enfrentar-se. É preciso ser um grande cineasta para num só plano, fixissimo, em ligeiro picado, de frente enquadrando e enfrentando igualmente o casal, os dali não lhes dar saída, permitir virar a cara, abafar o óbvio.
Uma emergência, sufoco, saber de frente - como a câmara está implacavelmente em frente - que caiu a falsa protecção ou a mentira, a farsa.
- E daqui para o todo. A dimensão dramática. A progressão avassaladora do récito em comunhão com a realização assustadoramente camaleónica de Edwards. A sujidade rasurada do preto e branco, a desolação dos espaços, a tristeza e melancolia daquele mundo. A criança a chorar, a mãe a ir ao seu quarto, o pai a beber mais um copo da estante que enquadra o plano – da planitude para a profundidade do campo: estante, copos, garrafa, pai, porta, mãe, criança, quarto. Do terrível vício à infância vilipendiada.
- O momento fulleriana das confissões e centelhas acendidas à beira mar - "Pickup on South Street" pareceu-me, pareceu-me – a garrafa que cai na água em raccord ou embate com a cena dos desenhos animados em ruído que a televisão transmite no momento da tentativa de salvação do homem à mulher. Dos líquidos às electricidades.
- O lirismo fulminante e fugaz da brincadeira no palheiro. A procura da garrafa nos vasos de plantas – é preciso ver esse avançar do furacão em desespero e esse avançar da câmara com ele, em prodigiosa sintonia raivosa, letal, para se perceber o que deve ser o trabalho de um cineasta – dar a ver e a sentir. O máximo de peso e a justeza plena de onde se olha. Que linguagem aquela?
- O segredo dos grandes, dos maiores dos maiores: Preminger, Hawks, Losey, Walsh, Ray, Huston, Siegel, Fuller, Rivette, mais alguns.
- O plano final. Rua, janela, Lemmon, Lee Remick a desaparecer. O "Bar" em letreiro luminoso instalado/estourado no rosto e no corpo e de certeza na alma. Sem retórica alguma. Contracampo: a imagem do que já não voltará a ser. Perdição.
O blog tá bem bacana!
ResponderEliminarParabéns e VIVA O CINEMA
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