quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Mario Monicelli

Até agora dois filmes de Mario Monicelli vistos. "Guardie e Ladri" e "I Compagni", dois objectos à primeira vista tão diferentes, interessa-me uma e a mesmíssima coisa. No primeiro, o filme com Totó, suposta comédia onde eu talvez nunca tenha visto uma plateia a rir-se tanto e com tal intensidade – e verdade pareçeu-me, embora eu talvez só tenha sorrido ao de leve aí uma ou duas vezes – como no segundo, suposto neo-realismo, filme de protesto ou coisa assim, uma e a mesma coisa para mim. Não vou conseguir bradar adjectivos absolutos, o que ali se passa é de outra dimensão. Quero dizer que são dois perfeitos e acabados documentos. Precisamente que documentam um tempo, lugares, modos de vida, humanos e coisas do momento e dos tempos todos. "Guardie e Ladri" trabalha o enquadramento e tudo o que nele concretamente lá está, das ruínas aos descampados às casas, para nele inserir a comoção o calor e os sentimentos de pessoas ternas e complexas e simples mais que simples. Solidão é no filme palavra cortante como o frio. Calor-frio e é essa a bela temperatura do filme. E se trabalha "realisticamente", ou lá está, "neo-realisticamente", Monicelli furta-se a esse campeonato para inserir nesse realismo uma atmosfera perto do onirismo ou do sonho. È aquele preto e branco com árvores estranhas ou o que sobra de céu quase a diluir-se até às bordas. Ele sabe que a "realidade" tem muito que se lhe diga e que a difusão é coisa séria.


"I Compagni" leva ainda mais longe, muito mais longe, as leituras de realismo extremista. Adultos e meninos a irem ao trabalho pela manhã, os trabalhadores em massivo grupo, a entrada na fábrica e os breves preparativos como breves são as pausas, a violência das máquinas e os rituais perigosos e repetidos ad-infinitum. "How Green Was My Valley", tantas vezes me veio à memória....Planos fortes, densos, com uma carga de zonas escuras e de sujidade que perpassam qualquer definição ou aplicação do tal movimento que os Italianos foram mestres nessas épocas. É já outra coisa, é o amor aquelas almas e por isso um potente compromisso ético-estético para lhes fazer jus. E é, não uma ilustração, isso fica para os medíocres, sim um rasurar, um escavar, no lado mais sujo e corrupto e fundo e falsamente ambicioso do humano. Monicelli vai tão ao fundo que o que encontra e o que vê é assim tão contrastado e tão podre como a ânsia de poder e de dinheiro que certos seres humanos podem ter. E se falei em planos não posso deixar de referir: aquele que do cimo do comboio faz panorâmica para a direita e vai ter com as pessoas, atravessando no percurso um nevoeiro inaudito e sumptuoso (pronto, rendo-me aos tais adjectivos); o último plano também de comboio, a despedida, grão lírico que o cinema do Italiano sempre parece estar predisposto a integrar. E outro à entrada da fábrica, em pasmosa sequência, seguindo grupos e motivações, também o nevoeiro cortando. Planos, só planos e nada menos do que planos..

E nos dois filmes uma extrema atenção a qualquer humano, seja naquele olhar lindo e apaixonado que o filho do "ladrão" deita à filha do "policia". Ou então, como disse o Mário, a dignidade e o espaço oferecido e o não reduzir a adereço qualquer humano que apareça em "I Compagni".

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