"The Last Sunset" de Robert Aldrich está ligado a coisas do espaço do universo constelações de estrelas que brilham lá em cima. Mas também está muito ligado à terra e é da terra. Panteísmo cósmico por onde passam homens. Oposições dualidades embates complementaridades brutais. Tanta coisa para escrever sobre uma obra inesgotável mas vou deter-me por estes caminhos. Um anjo de negro que não parece muito cowboy que diz que esses são bêbados e falidos e que tem alma elegância de um poeta e é poeta – Kirk Douglas. Um Xerife da tradição pura e dura de honra de compromissos e de provisão habitado por Rock Hudson. Kirk destila às mulheres e ao vento os versos de quem já muito amou já muito chagou. Kirk espalha morte rastros de violência de ódio sempre latente. Contradição e anomalia ambulante. Repara-se na reacção seca e silente de quando ele descobre que a sua ex-mulher ou ainda mulher se entrega nos braços de outrem – a economia formal e expressiva de Aldrich essa inteligência dramatúrgica é impressionante. A câmara pode escavar violentamente mas também pode em filigrana ou pacto metamorfosear-se às imperturbáveis sombras. Arte findada. A contrapor à explosão sem limites da implantada agulha sísmica quando descobre que é pai de por quem se apaixonou. Inicia-se a tragédia sempre prevista e só se espera que o sol caía rumo a consumações. Como sobreviver aos lirismos agrestes e empoeirados da terra e dos olhares e cabelos ao vento que se confrontam entre planos com um artificialismo quase opulento Wagneriano de fundo à Shane? Como um todo contido mesmo que em panela de pressão convive com um rebentar pelas costuras pictórico e carnal constante? Tensões...memórias destruidoras…pulsões de sexo...afloramentos húmidos...transgressões ou sensibilidades perto de Melville ou de Musil...corares lascivos...e depois...e depois a impotência conformada. Os céus carregados e as areias movediças. O azul frio e os grãos ardentes. Raiares que cegam e o igualmente azulado fogo de santelmo esses pirilampos noctívagos. Lembranças heranças da totalidade e ascetismo de John Ford e da aspereza do António Reis como muito bem me lembram. E lá dentro bem dentro da profundidade dos enquadramentos a fúria de Nick Ray de um Fuller ou a demência do tão esquecido Robert Rossen do Lilith. O operático grave e ameno como as baladas ao pôr-do-sol sobre os alpendres e o anárquico vociferar dos borrachões contentes. O cão também negro ultra raivoso e certos pássaros a chilrearem algures. Antes do final ainda as mulheres. A mãe e a filha cada uma mais bela e doce do que a outra. Em meio de tanta negrura às vezes macabra é ver os halos de luz sobre rostos transformados em cálices de salvação ou jardins de éden. O vestido amarelo que é um segundo sol intensíssimo e abrasador e prometedor de quimeras. E elas que assim são mas também seguram valentemente armas em punho também matam se assim tiver que ser. Faz-se o que se tem de fazer. O duelo final a um tempo e no mesmo tempo aritmético e possuído por algo de ordem vulcânica. Um Kirk Douglas que heroicamente e mudo faz o seu epílogo. A filha amada que o ama sempre o desejou mais loira do que nunca e em branco fogo como as lágrimas e as flores destinadas. Composição bíblica assim sagrada em zoom out dessas estátuas esculpidas sobre dor. Zoom out em direcção a um qualquer infinito a simplesmente nada. Dali do solo que todos pisámos até ao infinito das nossas perdições.
Mas entre tanta paixão tudo isto me diz muito e me alivia acerca de supostas coerências, projectos estéticos, equilíbrios e coisas assim. E lembra-me que para que as coisas mexam, vibrem, abanem, pode-se e deve-se sacrificar qualquer instituição, qualquer credo. Com certeza seria penosa a recepção e os escritos jornalísticos se este filme surgisse nos dias de hoje, como foi na altura e como o continua a ser via “fazedores da história do cinema oficial e higiénica”. Hoje em dia elogiar-se-ia talvez a fotografia numa ou noutra sequência, conforme os padrões técnicos e estéticos do “comité internacional do bom gosto”, mas reprovar-se-ia tamanhas liberdades e dubiedades e falta de educação…“The Last Sunset”, suprema capela imperfeita. Como uma picareta que sobre a mais resistente e inflexível das superfícies molda clamando às entranhas uma catedral como se fosse coisa de vida e de morte e só no nó da vida e da morte fosse possível.
Curioso que Aldrich (al que no gustaba la película, aunque es la suya que prefiero), con un guión de Dalton Trumbo (al que tampoco), pero con un Kirk Douglas espléndido (a éste sí le gustaba), acompañado de Dorothy Malone, Rock Hudson, Carol Lynley, Joseph Cotten, hiciera el "western" que pudo haber filmado (sólo hizo uno) Douglas Sirk.
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