segunda-feira, 21 de maio de 2012



Marco Ferreri em “La dernière femme” como em muitos seus outros filmes é lacónico, violentamente lacónico: num planeta agora ainda mais reconhecível, planeta inorgânico malgrado as puxadas cores e velocidades, seco, feio, esse grafismo industrial e tão falso só pode ser quebrado, estilhaçado, perfurado, vilipendiado por coisas primeiras, cristalinas, carnívoras, desejantes e desejosas. No início, os corpos. Ao plástico soberano Ferreri vai apontar à carnação em bruto em planos mais do que grandes, transpirados, convulsos, lascivos, ternos e emporcalhados, puros como antes de todas as coisas ou de todos os chamados pecados. A resistência pelo grande-plano que é aproximação, carinho, pulsão, loucura. Crença do lado do sagrado. Esses impulsos sobre território perdido - nostalgia como num milhão de aves que ressuscitassem de um passado século para cenários quais queres que podem ser os do inicio deste filme - antes de, dos animais, antes mais ainda, regressos, tempos parados ilusórios. Purezas como os brancos que cobrem escondem corpos quentes e ontologicamente viciosos. Em dados momentos, em dadas temperaturas, descola-se do terreno. A graça. Mas a graça que antecede ou sucede a bestialidade em sucessões e estados contrapontísticos verdadeiramente escorregadios e imprevisíveis. Tamanhas convulsões nas regiões e relevos dos rostos, lábios húmidos e em fogo, puros corpos desnudados vão volver-se pelicula e a pelicula vai executar a transmutação contrária. Todo a operação ou tomada de vista do filme são reinvenções de distâncias que ao lixo sofisticado de uma pobre humanidade tem a ousadia de tal como a varinha mágica de uma fada ou de uma bruxa possibilitar estados originais em que o homem a mulher como adão e eva e um paraíso escondido não só tem todas as hipóteses irracionais como nos braços a semente de um futuro. O tempo ali estancado no quadro quando os corpos se entrelaçam, tempo presente e portais de eternidades. Ao planeta aniquilado opõe-se recomeços e cantos de possibilidades, devaneios, liberdades. As distâncias – do mais do que evoluído até ao amador. O amador, salva. Dos intangíveis fundos até à correspondência entre o grau primeiro e o porno (porno mas o porno que importa, o urgente, escaldante, onde todo o orgânico de facto pega fogo a dado momento ou a todo o momento; o das vísceras e dos líquidos e das peles e suores em afinidade com a câmara que ou se extasia quieta a ver ou também fode). A narrativa: o homem e o filho que sozinhos veem entrar casa adentro e vida adentro a mulher que para eles se entrega em troca de nada que não as pulsões naturais satisfeitas. Mulher que poderá então vir da plataforma celestial. Algumas perguntas nenhumas respostas ela caiu do céu. Satisfazem-se, vão ao pleno, corrompem-se. Algo se impõe da parte dele talvez essa mitológica ameaça de superioridade que ele tem dentro. Que alguém tem dentro. O poder da pila, a pila como a única coisa que vale e que verdadeiramente vibra, diz ela até à loucura do corte final, mas ou é só isso ou é sobretudo a história disso. Algum elo fulcral se parte talvez por isso como acontece na mulher de “La Cagna” ou nas mulheres de "La Grande Bouffe". Ela não é menos inocente ou é-o como ele absolutamente, importa marcar. O celestial torna-se material e aí pronto para erosões várias. Maria, José, a Criança – a ordem altera-se. O tal do fruto. O desregramento e a miríade das largas e ambíguas liberdades contêm dentro a semente da podridão, da degradação, nem a perfeição absoluta salva, sobretudo algo da perfeição será sempre o dínamo que viola os momentos mais do que perfeitos de sexo e de irrupção e de paz e de vida e assim mesmo atrofia a existência. Algo da ordem do pleno ou só da sobrevivência. Muito se embate com a parede muito se é feliz muito tudo se esquece quando o grande plano se forma e enforma e tudo vai para a lixeira logo que a fealdade do dito planeta ou do grande abstrato se impõe; e ao pequeno em grande sucede o monumental e o horror. Fatalmente se impõe. Eva, Adão, Maria, José, qualquer um, o menino Jesus. O tempo corrói, o tempo como dádiva e horror é o centro da vida como é o centro nefasto de um certo Ferreri; tempo que escorrega sempre para a frente, sempre para a frente mesmo ou sobretudo aquando das memórias, belas ou ruins. O tempo sempre esse fascínio esse malvado esse grão incircundavél que se destila e tudo abarca tudo abafa tudo acaba, o centro, i.e, muito mais do que rabos, seios, coxas, vaginas, escancaramentos, etc. O tempo.


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