quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014
Os bons ganham sempre, constata em portentosa
irrisão Robert Duvall para um ensanguentado Joe Don Baker no termo do
fidelíssimo “The Outfit”, logo após terem reduzido a pó cabecilhas mafiosos e
deixado de mãos a abanar os seus empregados agora desempregados. John Flynn
sempre seguiu fiéis e justiceiros, de forma cerrada, implacável, fazendo da sua
encenação uma quase matemática das pulsões que perpassam o enquadramento, onde
tudo arrebenta de dentro para todos os foras, depois de concentrações intoleráveis.
“Out for Justice” é um cúmulo e uma complexificação disso, onde o polícia
despedaçado de Steven Seagal vai firme até resolver o que há para resolver, e o
ritmo frenético da acção e da respiração a par como estaria o seu parceiro
perdido, sem traições. A teimosa e primitiva individualidade na omnívora guerra
aplanadora e abstrata.
A trama parece igual a tantas outras, um durão
da lei caído em desgraça, com a vida pessoal num caos graças ao ganha-pão
atribulado, o cavalgar louco da máfia e do mal geral, e a morte inexplicável do
seu melhor amigo. Depois, tudo se complica. O que não tem só a ver com
descobertas de traições, relações perigosas ou intimismos inesperados. Estamos plantados
e podemos constatar vias-lácteas já para lá do negro, da sujidade dos
princípios, honra, palavra ou moral, ou seja, do lado da condenação. Nada a ver
com o Bem parece fazer sentido, a não ser o que parece que não irá durar muito,
como uma criança sincera no meio da dança de cadáveres que caem aleatoriamente
como tordos, ou um pequeno cão atirado janela do carro fora que não mente.
Apagada a luz, enterrada quase toda a bondade,
possibilidades de duração, seguimento da causa, somos colados à démarche do
lobo negro numa única noite que ainda assim não consegue ser tão negra como os
agentes da fealdade que todos os limites perpetraram. E então, raios, Seagal
não persegue um maluco que vai fazer tudo para não ser preso, mas sim um suicida
modificado pela droga ou pelas vicissitudes da sua genética, espécie de homúnculo
sem resquício de criador, corpo fétido, mente fétida, sem alma, sem espirito; nada
a ver com alguma recordação humana, orgulha-se e puxa o gatilho por puxar
quando assim o entende, que pode e mata Pai e Mãe e Irmão e demais, desprovido
de qualquer reflexão. Se algum assomo de longínquo desejo há nele, é esse que
ainda obscurece tudo o mais – quer morrer no seu bairro, sem traição. Nessa
noite eterna, infinita, desesperante, vai ser um dançarino do apocalipse, incendiando
quem se chegue perto e assim apagando a ilusão de qualquer paraíso remoto.
Ritche, assim foi baptizado com uma melodia que não mereceu.
E as paralelas a tudo isto, esse agora policia
que nasceu na máfia e queria ser mafioso na infância, que vai tendo mais
relação e disponibilidade para alguns desses seus opostos, confiando e usando
mas sem os dispensar; e mais fundo ainda – trata como Pai o Pai do diabo em
questão que nessa noite tem obrigatoriamente de abater, a Mãe como outra Mãe,
vai buscar a irmã desse ao seu antro e tranca-a ambiguamente por proteção na
prisão boa; solta boca fora aquelas verdades retrancadas que quando têm de sair
saem todas da mesma vez como trovões cagados, aos amigos de infância, à esposa,
à viúva, a muitos que ele parte a cara e a relação. Sem rei nem roque parece
tanto ser a sua deambulação alumiada pela sorte e pelos atributos dos seus
músculos, como a sua coerência de sentimentos. Como estamos num piso amoral, a paralela
dele concorre obviamente para o trilhamento com a do lado, mas na visão do
choque e da reviravolta, na cena mais triste e bonita do filme, ele rasga-se à
mulher e fala-lhe de uma criatura abandonada por todos, sem interesses, que
perdeu o respeito próprio e morreu não de patologia clínica mas do despedaçamento
do coração. Steven Seagal, ou Gino, curto e incisivo nome como as suas falas e
carácter, exeptuando os anjinhos já referidos e o final que pode não querer dizer
o que a imagem aparenta, estará sempre desgraçadamente solitário nessa correria
utópica e impossível, largado aos cães sem pena, figura e joguete sacrificial
que aguenta como só os raros escolhidos. E então deve é correr tanto pois
lembra-se do destino paternal. O destino que mais dói.
Deus é um titereiro que nos manipula como quer,
dizem mais coisa menos coisa a Seagal, que responde que esse tal deve ter um
estranho sentido de humor. Mas é outra frase surgida ainda mais ilogicamente
que dá a sentença ou tira a prova dos nove a qualquer equação ali possível: matem-nos
a todos e depois Deus que os separe. É o que vai acontecendo pela métrica e
aritmética desta imersão infernal, mata-se até nada mais haver para tombar, sem
o tal do rei nem o tal do roque, e quem os criou que se desenvencilhe do arrumo,
que procure a gaveta adequada ou que descalce a bota sem tamanho. Condenação da
alma às penas eternas, foi o que achei nos sinónimos de Danação. Quem quiser
que cave mais fundo.
Nesta arena de eterna morada para alguns, seria
expressamente proibido ou altamente desaconselhada a atitude teórica do
antropólogo encolhido ou o discurso neorrealista do “moderno” consciente, para
não falar nos existencialismos intelectuais; os dali marcam o território tão
laconicamente como os cães e as suas mijadelas. Assim posto, era matar ou
morrer, matar-se no seu ofício e como sujeito, e a questão seria sempre: como
me equiparar. Claro está, confrontar a artilharia de cinema à artilharia de
fogo seria um bom começo, isto sem esses romantismos do que é esta chamada arte
que alguns consideram somatório de outras. Vestir a farda, impor regras só para
as destruir em limites percebidos, comandar o exército, pôr coisas na linha.
Mas, acima de tudo, como Richard Fleischer no seu tempo ou o prisioneiro John
McTiernan agora (se os Cahiers du Cinema ainda existissem punham este génio
atado na capa, disse-me uma vez o Bruno), acreditar só nele, na sua força
expressiva tremenda, nas especificidades sempre inexploradas, sem querer ser
artista plástico ou enfatizado pintor; antes sugar ao osso as suas
possibilidades de magnetismo com a tremenda realidade que se apresenta defronte
ao visor, fazer reviver os créditos finais e essenciais de um filme clássico.
O que se passa no salão de jogos a meio da negra
floresta não é fogo-de-artifício de género cinematográfico, antes faz parte da
profissão de fé que esse Seagal quase desenho animado acolhe para si; perde a
cabeça, o senso, trata cada um por escória; arrisca-se, expõe-se, também como
que se proclama suicidário e convida a que o furem. Mas o objectivo é tão
valioso, a meta é tão preciosa, que ele aposta tudo e vê-a ao fundo de um túnel
poeirento. Poe-se a corte. Dado esse passo, como os predestinados solucionam
enigmas seculares ou Santidades ousam milagres, tem a noção que todas as balas
lhe passarão ao lado, os socos se desviarão ou não farão mossa, enfim, que é
ele o titereiro em trabalhos. Litania superior a quem de direito ou aplicada a
si próprio, bruta detonação de energia pactuada com a câmara, de onde a
montagem tudo conserva e sublima ainda à carne e às escalas.
Cinema. Acção. Fúria. Sam Fuller. Desde a sua
estreia com a panela de pressão que é “The Sergeant”, até galgar para esta cova
escancarada, Flynn não se comediu ou toldou, sempre obcecado pela justeza e
comprometimento entre o assunto e a forma, verdade e testemunho, sem se desviar
um segundo ou milímetro da responsabilidade de traçar as distâncias e carburar
as velocidades que regem e apanham a emoção, sem destilar uma única pincelada
destoante ou falhar escandalosamente uma nota. Hip-hop ou rap, sonoridade de
arquivo alheio ou foleiragem, bruto som descarnado das coisas inteiras e
presentes ou o sussurro de um susto, qualquer deles pode comungar com planos e
composições rapidíssimas e fugazes no meio da selva urbana, como servir
ergonomicamente equilíbrios sonhados nos quartos de família. “Out for Justice”
são noventa intensos e apoteóticos minutos, que não dão para fumar um cigarro
ou então só com o maço todo se aguentam, onde o escuro obscurece, a possível
coerência se torna demência, os mortos parecem ter mais sorte do que os vivos,
indo desembocar algures onde se safarão do irremediável onde tanto sofreram. Os
bons ganham sempre, constata em portentosa irrisão Robert Duvall para um
ensanguentado Joe Don Baker no termo do fidelíssimo “The Outfit”…
terça-feira, 11 de fevereiro de 2014
“The Bravados” é a história da vingança de um homem que perdeu o que mais amou, tornada questão imperdoável; mas sobretudo o caminho espinhoso que vai da perdição até ao ressurgimento, da morte em vida ao acreditar. Gregory Peck é esse anjo enegrecido caído em desgraça que tem de olhar olhos nos olhos os supostos assassinos da sua mulher, que vai até ao fim do mundo para lhes pagar com a mesma moeda, se equivoca muito humanamente e, nesse entretanto penoso, vê de novo o caminho iluminado e a queda das sombras, opondo a fronha da morte à questão de fé. Tal como em “Jesse James” ou mais tarde “David and Bathsheba”, Henry King trabalha ainda nas temperaturas agrestes e despojadas (e como eram verdadeiros os fantasiosos lustres de um “The Black Swan” até tudo se rasgar…), em correrias afagadas pela determinação e certeza absoluta do que está em causa, carregado de latências que conferem ao todo uma densidade psicológica perto da tortura.
Uma caçada, um percurso, uma busca, com paragem inigualável nesse lugar que será o altar de todas as purificações. Ou de todas as ambiguidades. O essencial passa-se então na noite mais longa do filme. Essa onde se passa tudo, toda a gama que vai do mais visível ao mais opaco. Noite cinematograficamente americana, que então subverte a luz diurna, pintada em transparências que cedem lugar a finos ventos líricos, à dureza das emoções cruas, mas urdida em moldes litúrgicos que tudo transfiguram. Na presença e testemunha de infantes coros orquestradores, Santos de menino ao colo, intrincadas devoções, correrias e abandonos silenciosos, traições, artimanhas, conspirações; e selamentos eternos ainda sem se saber, pedidos de salvamento e predisposição infinita, confiança; Sangue derramado e corpo de Deus; e esse discurso do Padre em reconhecimento de Santo António e em vésperas de enforcamentos que trata de coisas assim: caiu uma sombra, a sombra da forca que se ergue até na noite; a morte inadiável, a lei e César; mas todos são criaturas de Deus, passíveis da mesma misericórdia, das mesmas orações; execuções em Gólgota e perdões supremos; Para todos um novo dia, o mundo gira sempre uma volta, isto já é meu, mas para aqueles quatro da cela cairá a meia-noite das suas vidas, isto a escritura dos juízes.
Discurso que nunca é sermão, muito menos coação, em todo o caso a grandeza e irradiação daquele precioso servo de Deus, bem como a personalidade e estoicismo de Peck nada disso permitiria. Quem não pede, não ouve Deus, diz uma antiquíssima crença do povo. Neste caso, o Deus que interessa é o resgate do lado original e transparente calcinado pela tragédia. E ali aqueles dois monstros sensíveis entendem-se, falam-se, unem-se, não literalmente mas pelos campos/contracampos unos e miraculosos do acreditar e do ofício e da moral do cineasta. Último olhar trocado e volta o coro, algo já mudou, muito já mudou; crimes e transformações na noite mais longa. Sacrilégios e fidelidades. Manchas e limpeza. Veja-se o assombroso e assombrado quadro da mobilização geral de Arriba, esse ciclone visto da janela do homem que dorme para melhor se preparar, que só se pode ligar com o plano mais sintomático e abissal deste todo estilhaçado e compacto, esse quando Peck trava à porta da catedral com a Dama que fez questão em acompanhar, logo depois de lhe confessar o inconfessável, sendo a porta de entrada que os espera um abismo para as mais perenes dúvidas.
Abalámos dali, daquela concentração paroxística, para extensas e altíssimas montanhas, ranchos com livres cavalos, Pais que pedem desculpas aos filhos e recuperam o essencial; outro tipo de sangue derramado, danações a frio, arrependimentos, equívocos sepulcrais, remissões. Em certo lugar, a certa hora e visto o que nunca se deve ver, fica-se cego. Peck não é só ele mesmo na sua singularidade, e é um dos papéis da vida de um actor subtilíssimo quando bem acompanhado (nos seus olhos feridos e molhados toda a medonha elipse em permanente debate), mas milhões a quem a hora da meia-noite também caiu não só metaforicamente. Neste conto ou parábola de horas terríveis, do lobo ou do eclipse ou apocalipse, ele é, sem vergonha da extrema religiosidade sem freios deste monumento catártico (religioso não só pelo catolicismo, pelos símbolos ou palavras, mas muito esteticamente, com o esplendor dos diluídos púrpuras, dos azuis prateados que cinzelam halos, até aos encarnados e dourados que protegem a afecção redentora), a ovelha que estava perdida e regressou. No sentido lato, universal, radical, que regressou a si e ao traçado que instaura o reencontro do homem consigo mesmo (João César Monteiro dixit). Nada maior se pode almejar, no cinema e na vida.
domingo, 9 de fevereiro de 2014
Maquinismos gélidos como só eles, ferro, cabos,
torres; cheiro a seco, cilindros, rodas, motores, cronómetros; uma pequena criatura
no meio, minúscula. E estouram as nuvens, com os raios, a precipitação e o
ataque. É o que acontece na primeira meia dúzia de segundos em “Manpower”, o
caminho da poderosa invenção Terrena até ao domínio dos Deuses. O combate continua,
vomitam-se faíscas descarregadas do céu que nos ofuscam, interrompe-se
profanações de corpos humanos, torrentes de águas marítimas aliam-se às águas
da chuva, falésias resvalam como castelos de cartas de um magnata caído em
desgraça; o nosso auge tecnológico humilhado e clama-se socorro às autoridades,
como no antigamente se clamava para todos os Santos e para Santa Bárbara em particular. Deste lado do tempo e do
lugar já não planamos pela limpidez mas sim escorregámos na sujidade, no ruído,
na completa descarga eléctrica que o filme de Walsh produz. Um minuto e muito
pouco, a planos de dois e três segundos ou menos, que se rasgam, chocam,
interlaçam. Planos imensamente mais fulminantes e breves do que os de qualquer
jovem MTV esfomeada, mas que largam um rasto inapagável. Planos de dois ou três
segundos com a mesma totalidade do inicial de “Saskatchewan”, só que se esfumam,
indelevelmente manchados. Flashes subliminais, clarões ameaçadores, atmosfera
fosca que rara luminosidade deixa passar, e por aqui toda a mestria do cineasta
– na brevidade de cada plano, o máximo de intensidade, fulgor, carga;
paralelas, obliquas, explosões aleatórias, uma batalha impossível entre a
selvagem força da natureza e a ordenação formal das orgulhosas sociedades
modernas. Em intuição aguçada e em ascetismo puramente materialista iremos
pairar, com os problemas e misérias dos pés assentes no chão e o salto no
escuro dos medos, toda a tensão em ebulição.
Edward G. Robinson e George Raft estão
umbilicalmente ligados numa amizade sem preço, e vagueiam pela vida à procura
de rumo como vagueiam nos mais recônditos cimos até que caiam electrocutados ou
sem rede, super-heróis das companhias que fornecem luz às casas e outras coisas
reconfortantes. Homens de poder, energia, borracha, sempre a afrontarem o
movimento imemorial da criação com o seu movimento genial, inventivo, novo,
para o resultado ser eternamente o mesmo, o nosso rebaixamento, tortura,
colocação no devido lugar. Mas este par jamais se trairá ou jogará nos
mesquinhos jogos e passatempos das horas vagas; em causa estão homens que
obrigatoriamente e normalmente se passam dos carretos aparentemente sem causa e
em hiatos insignificantes, formas de compensação de quem toca demasiadas vezes
a morte como se não fosse nada. E do nada, sem nunca o terem esperado, aparece Marlene
Dietrich e o invólucro loiro e luminoso como peçonha, dilúvio ou outro tipo de
magnetismo tão letal como, e lentamente os vai começar a afogar ou a queimar. A
cena da sua aparição é sintomática como uma sentença; está ela a sair da
cadeia, a ignorar o Pai e, no momento em que pede um cigarro, o plano-médio já
está em Raft, que tem a chama com ele; que Robinson se perca inocentemente de
amores por ela, que se case e ignore as instruções do seu ofício, são apenas os
elãs de uma tragédia ali prometida como destino ou crueldade do acaso. O amor e
o poder da carne ou as ensurdecedoras tempestades?
A encenação vai ganhando ainda outra explanação
e ritmo, Walsh como noutras vezes enquadra tudo de frente e monta tudo em
lógicas dramatúrgicas implacáveis, podem ser papéis, cartas, jornais, datas, o
que for preciso irromper no ecrã, com a devida escala; Ritmos e explanações que
numa gravidade surda, mesmo nos trovões e nas bocas dos infernos, preparam o
leito final onde os três se vão encontrar em composição sacra do nacimento do
Salvador, nascendo outro tipo de amor asseverado pela morte; foram precisas
muitas coordenadas estranhas e partidas dos sentimentos se combinarem para
esses dois amados terem deixado que as loucuras momentâneas normais a que
estavam sujeitos tivessem funcionado entre os dois no mais alto grau. Toma
conta dela, diz Robinson para Raft imediatamente antes do seu apagão final,
depois a caravana parte e outro par fica efectivamente. Cinema, máquina entre
as luzes e as sombras, ilusória cartografia das paixões, sempre a vaguear entre
espectros. Das várias alianças e discórdias existentes em “Manpower”, a mais
capital é com o que está para lá do nosso cerrar de olhos. O escuro, que ali
teve de ser a única luz em que acreditar.
sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014
“…filmar a vida dos homens sem Deus, sem moral e sem sentença.” – Jorge Silva Melo a propósito de Raoul Walsh.
Saskatchewan é uma das províncias do Canadá, entre Alberta, Manitoba, os Territórios do Noroeste centrados por Yellowknife e, imponente e a verde incatalogável, as insustentáveis montanhas de Montana e do Dakota já com a América em fundo. Mitologias e oblações realizadas pela matéria ardente ao toque primordial. O ver para crer de Tomé ali sussurrante. Belos e transcendentes pontos cardeais que teceram e envolveram um dos mais límpidos e faiscantes filmes de Raoul Walsh. Pelo Rio Saskatchewan, o que corre velozmente, a tribo nativo americana Cree, os Sioux vindos da fronteira, possantes da derrota aplicada a Custer e os célebres soldados Canadenses trajados a vivo vermelho vão toda a ordem e sentido pôr em causa, para tudo iniciar, passar e terminar em apoteose humanista acima da lei de tribunal. Se jamais esteve em causa aquele mundo, aquele cosmos, aquele Deus e o Destino - mais do que a formação de um estado livre e independente fala-se da presença do Homem no Palco que o antecede e da sua força e sangue e suplicio para lhe dedicar todos os hinos. Missão hercúlea, missão cumprida, com a mão e olhar simples que só desse modo tais coisas se deixam apreender e revelar. Olha e simplifica, escuta e sente, comunhões producentes.
No primeiro plano que resiste ao termo sequência, à apelidada panorâmica ou a chavões de técnica e de escola, ainda com os créditos por cima e com a banda sonora de orquestração, vamos de uma rocha e de uma árvore tratadas por tu no mais incomensurável, até à largueza e respiração do céu em paz, as escarpas da terra, a alvura da neve, o corpo manso, cintilante e tão sedutor dos grandes lagos, os picos de mais troncos que parecem perfurar a paz dos vales tão adormecidos como profetas do Génesis ou testemunhas do Big Bang, a fusão de tudo isso e do que está para além da superfície, para descermos ao nível nosso e encontrarmos dois seres tão pequenos que vão ser tão grandes. A orquestra teve de se mutar obrigatoriamente na presença inteira dos intervenientes da grande sinfonia, e aparece sem aviso a força ciclópica do vento e dos tremores em volta. Tanta flora, exígua fauna mesmo quando incontável. A não separação. Neste movimento que redescobre uma ordem cosmológica plena, uma felicidade suprema sem nome, um presente total e satisfeito, uma evidência tão óbvia e em execução que faz pedir perdão por tontos pecados; essa explanação calma e vibrante do universo, o criador, a criação e a autonomia, nesse movimento extraordinário e singelo está condensado todo o espaço e todo o tempo acontecido, esse que permite o cinema. Toda a moral e toda a prática. Circularmente como todos os princípios e fins e eternos-retornos. A água nítida como um espelho, a neblina a levantar-se como num conto de fadas, o reflexo das montanhas, palavras não retiradas de qualquer verso panteísta mas antes do instinto que tais coisas afia a um soldado que as contempla lá mais para a frente. Ou, como diz um quase póstumo que se levantará pelos milagres das nossas transcendências, a melhor das medicinas.
Assim posto, e como sabemos com gente deste calibre não podia ser de outra maneira, a guerra é declarada e executada em vista da reposição e do direito. O exército militarista junta-se aos índios amigos, índios bons desfazem índios maus, exército bom ignora exército mau, desarmam-se uns e armam-se outros, desobedecem-se a ordens superiores e obedece-se aos mal tratados; machados vencem pólvora, a anarquia humilha a disciplina. Chega-se a caminhar para a vitória que significará possível enforcamento ou para a derrota que os altos decidirão de sorte. Que é a mesma coisa dos socos de Alan Ladd por amor e ciúme animalesco, dos brancos irmãos de peles amarelas, da mulher loira, suculenta e guerreira que tanto caos e esperança semeia. Facções sem nexo, paixões virulentas ilógicas, redenções planantes. Falar-se-ia em esquerdismo, comunismo, guerrilhas engajadas, mas a questão é bem mais antiga e não tão fácil, cheia de terríveis cruezas e de genuínas revoluções. Em tempo de guerra não se limpam armas. Em oitenta e sete minutos, com a concisão que tudo abarca e com o segredo da elipse e do não dito que cede os poderes aos segredos, nessas verduras, azuis e cinzas celestiais da natura e pelos negros e encarnados carregados dos interiores carnívoros e das propaladas almas, Raoul Walsh, não só um dos grandes pintores Americanos com câmara mas também do que nos inflige de tumultos pela paisagem das vísceras, cria ou apanha toda a gama da existência que como num arco-íris que por lá aparece perpetuamente emana, e o constante fado do desajustamento e do encontro dos contrários. Como oração, como desgosto, verdade.
quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014
Kools.
I like Kools.
Minty flavor.
Free winds
and no tyranny for you?
Freddie...
...sailor of the seas.
You pay no rent.
Free to go where you please.
Then go.
Go to that landless latitude,
and good luck.
For if you figure a way to live
without serving a master...
...any master...
...then let the rest us know,
will you?
For you'd be the first person
in the history of the world.