segunda-feira, 31 de agosto de 2015



O Céu é dos Violentos. O bicho sozinho pela terra que na mais grave das provações à inelutável verdade deixa cair os braços. "Journey Into Light", ténue e tremente Stuart Heisler do meio do caminho, de título e todo purificador, alumia-se pela mesma luz do Borzage de "Green Light" ou do Henry King celestial; por todo o espaço e encapsulando todas as horas, à semelhança de "Chain Lightning", transcende a religião ou o amparo, para atingir um estado muito raro e completamente indizível - e tão natural como incompreensível - situado para além das sendas da fé, numa auscultação interior e universal em que o amor surge como fonte de todas as redenções e de todos os regressos ao berço e ao sangue, raiz fundamental. Sterling Hayden, o pastor, morre com a esposa e com o carneiro desenraizado que não conseguiu salvar; largado ao vento, cai-lhe em cima o anjo de Thomas Mitchell, puro e diletante, saca-o da lama, lança-o jornada fora até conhecer um pastor seu igual que na humilhação não desiste dele; Ser genuíno e fielmente livre que o deixa olhar a filha cega que tudo vai ensinar a ver, a ver na resolução dos muito novos ou dos muito velhos, criatura delicada e revolucionária levantada da pedra dos altares por uma Viveca Lindfors que exige a cada um a sua justiça, reinventado e inventado a Palavra para a oferecer sempre nova e invencível. Indigentes, sábios, vulcânicos ou mansos como águas baptismais vão-se unir quando essa luz alva, macia e resoluta começa a rasgar sobre e sob rostos e olhos que não deixam de buscar e rebuscar por toda a carne e por toda a alma. Na sublime sequência da feira popular morre-se e renasce-se numa amplitude que comporta todos os escritos e não escritos; da plenitude à tragédia e transfiguração, movimenta-se a vertigem da luta entre a finitude e a infinitude, sem qualquer tipo de insuflação que não o desígnio comum. Heisler, como Hayden e a sua amada, tal como o esfarrapado que dorme no banco do jardim sem se apagar, iluminaram e iluminaram-se uns com os outros nessa distância relativa entre o ser e nada ser, percebendo a impossibilidade da imitação de Deus e entregando-se inteiros como na mais bela assunção. Para além da fé humana e cinematográfica, com ela de coração, essa aceitação como gesto sem olhos, mente, escola; destino cósmico e singelo de cada bicho caído na treva. Dos muito, muito grandes.

"O sagrado é o que toca a criação. Quer seja um filme, quer seja um filho. São os meus limites, a fasquia que não devo ultrapassar. Ultrapassar isso é matar, ou, se quiser, matar-me matando.", disse João César Monteiro, o polémico e o bicho-do-mato. Esquecendo as superfícies e o espectáculo mediático que vai matando o mundo actual, obras-primas por antecipação e espezinhamento ou genocídios democráticos e encapuçados, fica a certeza que a paciente e tremenda sentinela do tempo tudo limpará. Ficando o fundo, massa abismal onde ainda nada perscrutamos. Sem pressas. Num até já.

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