Os gritos,
os uivos, o gelo dos pesadelos e a melodia fantasista e assombrada do
Over the Rainbow criada para Feiticeiros de Oz entrelaçam-se em “I
Wake Up Screaming” para uma ultra realidade assomar monstruosamente entre o caos urbano e as mentes ludibriadas pelos sentimentos e pelo
caos outro e ainda mais mortífero das paixões. Em 1941 “Citizen
Kane” partiu do mítico para ir escavando até à infância e aos
pretéritos empoeirados pelas películas do tempo, mito novamente;
nesse mesmo ano, Bruce Humberstone, um Orson Welles a olhar das
valetas e dos tascos e becos das luzes indefinidas das sete e pico da
manhã, instala-se nas delirantes espirais da sede de fama e do
clamor das luzes da ribalta para descarnar e estripar as lendas e
mitos da sedução Hollywoodiana. Toda a parafernália e paracinema
em revelação ontológica. Não há culpados por aragem assim
viscosa e por chão assim deslizante, caldo espesso de brilhos
lânguidos onde a mulher sonhada no berço e redimensionada adultamente escancara a perdição mais antiga, imemorial, inata.
Mulher que se desmultiplica, magnetiza, fende, solda, tudo a uma
imagem autofágica; em visões impossivelmente ideais que ao perderem
a nitidez e o humano encorpam o altar dos mortos; mulheres que
regressam dos túmulos em salas de projecção e logo perto, em
espelhamentos, nos quartos de dormir ou nas paredes do cérebro. É
assim o paradoxo que atravessa todo o Cinema Americano que importa, a
sua esfinge e a sua bruteza: Victor Mature é apanhado numa massa
ferruginosa, em ângulos desequilibrados, coberto de luz escanifrada
e dura, exausta e enforcada, condenado; e todo esse pesadelo
inenarrável, sonho Kafkiano, teia Freudiana, Vertigo (semente,
bastardo, remake de outra vida do filme de Hitchcock) que cobre igualmente todos os
outros bebés grandes e medrados, é enformado e imediatamente
superado por um Agora absoluto de ruídos, texturas, morfologia,
enfim, corpo que é o do nosso mundo quotidiano e sensível, antes de
Deus e da prece; para se chegar ao fundo das coisas, passa-se pelo
delírio delas; aceitação e libertação. Over the Rainbow, Street
Scene orquestrada por Alfred Newman em cima de noites de mil olhos e
mil perfurações. No desenlace, nenhuma conclusão, ponto de
chegada, apenas mais um enlace de corpos que nessa bruteza à
Botticelli promete todos os imprevistos. Entre “Citizen Kane” e
“I Wake Up Screaming” tanto caem os patamares e os juízos de
valores como os filtros e os pilares da patenteada realidade. Para
uma dança e um vínculo e uma solidão perpétuos. O que os novos
mestres do motion grafics, dos after effects, das composições
photoshop e afins, especialistas e opinion makers para Curriculum
Vitae, o que tais não lhes cabe na cabeça é que aponta-se a
chamada câmara ou a língua, foca-se, pensa-se, e a complexidade
bruta da paixão ou do ódio, o nosso ajuste e a nossa construção
singular, comporta os filtros mais avançados alguma vez criados em
laboratório. Sem acordo. Sem compromisso. Inatos.
Li e ouvi falar muito bem deste filme. A ver...
ResponderEliminarBons filmes,
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