quarta-feira, 18 de novembro de 2015


Cy Endfield pelos caminhos e velocidades de “Hell Drivers” já se apelidava C. Raker Endfield. O que um Homem tem de aturar... E como estava ele e a sua garra em 1957? Cada vez mais amador, isto é, tradicionalmente selvagem, usando o que aprendeu e o que sabe que resulta, mas sempre a deixar que o vulcão do instinto se manifeste. Um navegante da vida, desempregado, saído da prisão, rasgado de cicatrizes, não segurado socialmente nem fiscalmente, aterra em terra de ninguém e vê-se obrigado a seguir as regras do jogo. Começava a ensinar Sam Peckinpah por essa indefinida era: a honestidade e os pactos podem ser uma e a mesma coisa, levando-se o que importa levar para a frente. À primeira vista o pica-boi consiste em conduzir camiões cheios de areia ou pedra de um lado a outro, velozmente e em concurso de vale tudo, então ele e nós ficamos sem perceber nada de nada. O estóico grupo Hawksiano de outrora está estilhaçado e a atmosfera reenvia para os anestesiados de Monte Hellman a fazerem coisas sem saberem de lógica, de entusiasmo, de sentimentos e pulsões comuns. Visto daqui, do século XXI, tudo se parece com as globalizadas corporativas assépticas a sujarem-se na sombra, os capitalismos encapuçados que empobrecem o próximo, tais liberalismos cobardes e trucidantes que reinventaram ou inventaram o genocídio moderno; fica-se à nora e isso nada tem que ver com o talento do argumentista ou com o plot fora de gancho, e é muito mais lato do que o ajuste de contas político mencionado nas duas linhas de qualquer calhamaço histórico do cinema. Do lado de Stanley Baker vão estar os bons, os que querem entender ou só entrever alguma coisa para lá do cheiro fétido que os enleia; da parte de Patrick McGoohan, marioneta num palco que o ultrapassa, aqueles que só almejam o vil metal e a vil ambição, não se importando que, como agora, os mercados, as agências, os ratings, o abstracto mal que passa por bem prepare o Apocalipse e a próxima guerra. Entre as opostas facções conhecidas vão estar as mulheres, leves e carregadas dos problemas essenciais, mulheres que ainda continuarão a resgatar. Porque órgãos como o coração ou o incompreensível que se percebe nos sentidos e nas dores, a alma ou o que for por ela, existirão enquanto o último da raça não apagar a luz e meter ponto final na terra e na existência; então, do virtual começa-se a entrar lentamente e de rompante para o visceral. Visceral – as porradas e o sangue derramado pela dignidade, os derradeiros suspiros por amor, a vingança animalesca com causa depois de tantas outras faces oferecidas em vão, o irracional superior, o absoluto em causa. Endfield, isto ninguém lhe roubou, continuou a sentir os choques que Eisenstein causou entre o inconcebível e o patético; e lembrou-se daquilo que lhe tiraram, dos choques sempre por inventar, sempre a urgirem. Os líricos ventos finais, as explosões como uivo no deserto, o abraço reservado ao par e a nós enquanto quisermos, são do gesto da reposição, da violência da reposição. Disto ninguém nos pode tirar. Mãos à obra. 
* Que hoje o filme se encontre nos escaparates mais expostos das Fnacs ou das Wortens, com promoção incluída e imagem bem tratada, talvez junto a um Lang ou a um Fleischer e longe dos Autores, armado e disponível, é mais uma prova dos certos e dos errados e da arte do tempo.

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