«Zidane tem o lado misterioso que
rodeia as estrelas. É um mito capaz de despertar emoções nas
pessoas, nem sempre positivas. Não é uma estrela sem problemas, não
é um indivíduo gentil. É capaz de qualquer coisa e isso faz dele
um deus humano.»
Raymond Domenech, “Le Monde”
John Garfield condensa o
máximo de aprumo e o máximo de suplício. O bloco perfeitamente
depurado à pedra bruta. O tremor em definição. Deve ser por isso
que Jean-Marie Straub o eleve tanto em película como fora dela. Em
“Force of Evil” a sua personagem é também uma estrela do seu
meio. Resolve o que tem a resolver, escava a solução escondida,
desbloqueia o caminho. Sempre em alta cilindrada. Impossível de
travar sem choque mortal. E não pensa que está a cometer o Mal. A
planar nas suas sendas. Não sabe do que trata tal coisa pois nele
esteve sempre metido. Não faz sentido. Muito menos o remorso. Não
se recorda do antes e para um depois só a tragédia lhe desvenda a
outra face. No seu terreno, no berço, no leite materno, onde o medo
operou em cada acto, esquina e hora, foi o que lhe calhou. E querendo
responder ao medo tornou-se o melhor da sua rua. A estrela. O Deus da
luz indefinível. O dinheiro, a traição, os balcões dos cafés das
seis da manhã, os cigarros em consumição, o clamor da carne, a
morte a cada segundo no coração, no ar que se respira, a
fidelidade. Deus, moral, amor, ensinados como a qualquer criança. A
inteligência nada mais é do que seguir as correntes vitais. Homem
capaz de muitas coisas. Do mais rasgado estender de mão até à
cobardia degradante, a fórmula de grandeza segundo John Steinbeck. A
bíblia sagrada com o velho e o novo, os livros, capítulos,
versículos. Nos cúmulos orgásticos de “The Sign of the Cross”
de De Mille – a víbora a tentar em torno do anjo e o desporto da
raça perfurada – travam-se de razões a fé e o poder, o canto e o
barulho, o sexo e o amor, a fossa e o divino, a beleza e a sua
anátema – para na ascensão final se virar as costas a tamanhas
dialécticas em direcção à chamada silenciosa. O rosto de
Garfield, esse pequeno rectângulo espacial, em alegria, terror,
desarmado, genuíno.
«Of all the Marxists who came to
Hollywood, Polonsky was the most successful – single-minded, if you
like – in setting the capitalist ogre within a gilded narrative
frame. The scripts for his late-forties trilogy on the profite movie
(Body and Soul, Force of Evil, I Can Get It for You Wholesale )
reveal characters so obsessed with money as to make Greed, by
comparision, look like A Christmas Carol.»
Richard Corliss, “Talking Pictures”
Abraham
Polonski conheceu e viveu pelas arestas da sobrevivência, e não
perdoa uma nem se escapa a uma. A cena da matança derradeira tem a
inevitabilidade de toda a ambição humana. No barril de pólvora
completo só a explosão liberta. Nesse fogo, a sombra ajusta todas
as contas. Orienta os estilhaços. Uns para um lado, outros para
outro. Cena que rima inevitavelmente com Garfield a unir-se ou a
entrar na menina inocente. Os seus fundos e as superfícies
destacadas numa claridade que vale por si. Foram um ter com o outro e
essa é a história. Ele diz-lhe do medo, da solução única, da
verdade. Ela diz-lhe que só sabendo do mal não consegue deixar o
mal. E a tragédia destapa-se toda. Revela-se lá no fundo das
escadas todas. No centro do mundo. Onde se descobre que a vida é
longa e o fim a acompanha. Foi preciso descer tudo para se revelar a
altura dos homens. John Garfield e as lâminas circulares dos
eternos retornos. Dos mármores e dos mitos. Da alma e do sangue.
Polonski e Cecil B. DeMille, o realista e o fantasista, tão longe e
tão perto como o corpo e a alma podem estar. Na descida e na subida,
a falarem e a encontrarem-se.
Sem comentários:
Enviar um comentário