quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

boas festas


- «Só percebo quando acredito», Philip Marlowe, “The Lady in the Lake”, Raymond Chandler.



No derradeiro plano de “Juventude em Marcha” está contido todo o movimento do filme, da obra de Pedro Costa e do mundo enquanto mundo habitado dos homens. O velho e o recém-nascido. O velho em demencial e sereno equilíbrio e o recém-nascido espantado. Os monstros metálicos que mandaram abaixo as casas do bairro da Vanda. Os berços assombrados a todos pertencentes. Os pátios luminosos do recreio janela adentro. O obscuro monstro televisivo. O chilrear invisível dos pássaros. O apocalipse. A primavera. Passagem e equilíbrio cósmico. Se até aí a negrura intolerável das tripas e das teias do esquema social tinha sido vergada a favor dos merecidos na terra, tudo floresce a partir do buraco negro. O Princípio do Mundo.



Dezasseis anos antes Charles Burnett já assim tinha rasgado os confins para reiniciar a partir de um baralho sacudido pelas visões de um Novo Testamento. Novo, Primeiro Testamento. Em “To Sleep with Anger” o profeta escandaloso atravessa o caminho todo e o lar todo. Anjo e Demónio com o bem e o mal quebrados os finos liames. A serpente e as pragas nos bolsos. O mar vermelho e a pedra de Lazaro aos fundos ou no imediato plano. Harry, nome da graça, reduz a pó o próximo entre idas e voltas à prometida terra nunca vista ao mesmo tempo que mete o caos burocrático na ordem primeira. Em pontuação, fundido ou complemento, o menino mais novo do mundo toca a trompeta da luz inaugural entre a terra revolvida, as aves dos altos aléns e os vórtices da nascença. Andamentos carregados de gravidez e de cadáveres permanentes, para ficar limpa a imagem do Novo Mundo.


“Dark Magus”, Miles Davis, 1974. Ferragem carnívora, ventania revolucionária, fogo nuclear interno, tripas permanentemente tripas. O Punk, Chopin e os espinhos do calvário. A narrativa do centro dos centros.

Entre esses tempos e ligando-os na volta desconhecida, a juventude em marcha. A Ventura.

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