sexta-feira, 29 de dezembro de 2017




leituras - 2017

Estava aqui a tentar escrever algumas coisas sobre a folha e o livro que mais gostei em anos e algumas dúvidas estúpidas ou não puseram-se a dizer-me que talvez devesse falar de Agustina Bessa-Luís, de Thomas Mann... sei lá, de Tolstói.

Mas vou falar, enfim, divagar, sobre “1933 Foi Um Mau Ano”, sacado da vida de John Fante por ele mesmo e apenas revelado postumamente; Fante, o ídolo de Charles Bukowski, e também ele, dizem, um tipo instável, com gosto pela pinga e pela vadiagem, carregou a sua escrita de dúvidas existenciais antigas, fastidiosas relações entre filhos e pais e o resto da equipa, a importância do modo de vida, traição e fidelidade, as origens familiares, o catolicismo... mas com um sopro de vida, de carinho e de humor tão terno como descarnado e por isso violento que ler-lho é estar num qualquer bar tarde na noite ao lado de alguém muito jovem mas já tão calejado que pensamos que esse sabe tudo e possui o segredo fundamental.

A Agustina visionária... um Thomas Mann fáustico... o Tolstói lúcido demais... mas o que Fante consegue nestas linhas que à primeira vista qualquer um poderia escrever nem é fazer recordar a infância, impor a nostalgia como uma ferida aberta sem chances de cura, trazer a saudade com lágrima... o que ele consegue, pelo menos para mim, é que tudo isso volte a ser, a estar, presente e até irremediável, mesmo que por uns breves segundos mais o respectivo bónus de ficar a ressoar. E depois cada um pode voltar nesse hiato a calçar as chuteiras ou o vestido de fada das bailarinas minúsculas... voltar a estar com o melhor amigo nos balneários velhos como o mundo do antigo estádio 1º de Maio em Braga à espera que o sisudo treinador anuncie o resultado dos treinos de captação e perceber antes da idade o material de que é feita a angústia... voltar a correr para o jogo de andebol no ABC de Braga, esbarrar com o Carlos Resende e ficar a pensar que se esbarrou com Deus e que é pecado para logo se escutar Deus pedir desculpas... assistir ao Sporting x Benfica da época 1993/94 e ligar e desligar a televisão à espera de melhores minutos até o ratinho eléctrico João Vieira Pinto sacar as mais belas fintas da história, os movimentos mais loucos e graciosos, a perfeição de um desenho animado, o sonho... sua alteza das nuvens Michael Jordan no seu último céu pelos Chicago Bulls em 98, bigger than life, uns míseros pós de tempo e aqueles cestos seguidos, o roubo de bola ao carteiro Malone, o disparo no tudo ou nada, a beleza em explanação, a décima sinfonia de Beethoven, o milagre com provas... a primeira vez que vimos a nossa Becky Thatcher no pátio da escola comum e as maças vermelhas no rosto a formarem o prenúncio do novo mundo.

John Fante, argumentista falhado, de bibliografia escassa, sempre a afagar, a tentar safar, conseguiu devolver o que se julga impossível e incomprável pelo menos a um, e assim já não há dúvidas estúpidas ou macaquinhos no sotão que sobrevivam. Full of Life, dude, thanks very much.

E um bom 2018 para todos!

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