sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

selo de qualidade

“The Reader”, de Stephen Daldry, é mau demais. Coisas destas são as coisas que mais me irritam. Ponho-me a pensar e chego à conclusão de que prefiro aguentar certos blockbusters de acção, ou filmes falhados mas arriscados (segundo uma ideia que um amigo meu me falou…), do que aturar estes pastelões académicos, prestigiados e supostamente importantes. É um daqueles filmes feitos para receber o selo de qualidade e para satisfazer a quota de projectos sérios e de cariz literário (e isto não é cinema, é literatura filmada) que Hollywood todos os anos necessita. Que os Óscares todos os anos necessitam. “Driving Miss Daisy”, “The English Patient”, “A Beautiful Mind”, “The Cider House Rules”. “Atonement”, no ano passado, etc, etc. É esta linha pesada e feita importante que me tira do sério.

“The Reader” não têm nada que mexa naquelas arrastadas duas horas, tudo é de cera, inerte, pomposo. Para mim é mesmo mal filmado e iluminado, à beira do mau gosto estético. A forma como os tempos são misturados e a narrativa assim fragmentada, numa tentativa de imprimir densidade e “significação”, é porventura o ponto mais baixo de uma dramaturgia que nada tem para oferecer, nada tem para pôr em jogo, para fazer sentir. Aliás, montagem é coisa que não existe, Daldry não possui qualquer senso de duração, de tensão – veja-se as cenas eróticas ou de tribunal, tudo possui o mesmo ritmo normalizado, marcado a cronómetro, maquinal. É o mesmo princípio da MTV, só que ao invés de se dirigir à juventude dirige-se à burguesia, aos votantes. MTV ao ralenti, não existem duas imagens ligadas que produzam algo, qualquer raccord. A mesma coisa para o sentimento de mundo, de ambiente, que obviamente se reduz a ilustrações mil vezes usadas para mostrar Berlim e os motivos em causa.
Essa coisa do peso da culpa e do arrependimento, da redenção, da má consciência, etc., tem as costas muito largas e serve para os poderosos ala irmãos Weinstein terem a sua aura de prestígio. Desconfiei imediatamente do produto assim que o vi ser promovido no programa da Oprah, na verdade, este é um filme-oprah.

Kate Winslet? Está bem e nada atrapalha, mas não creio que chegue.

(não precisava ter escrito isto, não precisava ter visto o filme, mas…)
The Nutty Director

Jerry Lewis in conversation with Peter Bogdanovich

Peter Bogdanovich: How did you start directing, Jerry? Didn't you do some home movies first? I take it you did Sunset Boulevard and you called it Fairfax Ave?

Jerry Lewis: Yeah. [laughter]. We did half a dozen satirical, ah...Fairfax Ave was Sunset Boulevard. OK. Then we did The Reinforcer.

(...)


(para me lembrar que tenho de caçar todos os que ele realizou...)

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

“Mister Lonely”

Quem conhece “Gummo” ou “Julien Donkey-Boy” já sabe o que o espera, território onde a candura e o onirismo explodem a cada momento, por vezes como flashes ampliados, brutais, a maior parte do tempo como coisa inteira, terreno onde as convenções não tem lugar e a liberdade se faz essência.
Auto-indulgência, já sabemos, é uma das palavras favoritas de Harmony, o tal Rimbaud de uma certa geração, e se tal vocábulo tem algo a ver com a libertação de todas as amarras a que o cinema em geral – e principalmente o cinema do país dele – se deixou prender, rumo a territórios próximos do sonho e da vigília, então, que seja sempre auto-indulgente – ele e o Gallo, p.e – que cá estou eu para curtir estas coisas.

E se “Mister Lonely” surge investido dos mesmos gestos, eles aqui não parecem tão perigosos e terminais, melhor, Harmony não usa de um tom quase ostensivo ou provocatório que irrompia nas fitas anteriores e que eram maravilhosos. É isso, existe aqui uma espécie de doçura, uma maior ternura para com os personagens – mesmo que os “Freaks” de Tod Browning continuem a ressoar – e mesmo para com os lugares, que parece algo de novo e sugere novos caminhos e reinvenções. Uma nova luz também e certas aberturas (discursivas, visuais) luminosas que parecem declaração de princípios do cineasta – mais indulgência… – mas que nunca se tornam moles nem requentadas, antes potência da estranheza. Coisas incríveis na imagem e no som, quase violentação entre as duas bandas, sobreposições encantatórias, uma vibração sonora por vezes áspera, crua, que junto com o brilho de certas imagens nos fazem sentir coisas realmente novas. Sentir é a palavra certa, é um universo antes de tudo sensorial, e tudo isto vale por si. Mesmo se podemos considerar este filme, e abra-se aspas, o seu mais “narrativo”.

Acho que vale a pena experimentar esta poesia nos antípodas de quase tudo o que se pode arranjar. Bónus: Leos Carax num papel, obviamente, esquisitíssimo, que só reforça o tom de estranheza geral.

lancinante

Mister Lonely de Harmony Korine
Porque é que num filme de muito homens, em certo sentido um filme de grupo à maneira clássica, os momentos em que as mulheres aparecem tão brutais e vibrantes quanto as cenas de pancada?

Ainda a reforçar o fora-de-tempo da personagem de Randy (logo de Mickey), a cena em que ele escolhe aquela peça de roupa bastante berrante para oferecer à filha. “Não sei, esta parece mais Rock’n Roll. O que achas?”
Rock’n Roll, diz Randy. Pouco depois, Ratt a abrir a abrir com "Round and Round". Mais à frente Guns com "Sweet Child O' Mine", and so on...

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

ainda sobre “The Wrestler”

Aquela cena em que de dentro da sua caravana Randy 'The Ram' Robinson chama um puto, que está lá fora a brincar, para vir jogar Nintendo consigo. Começa a jogatana, obviamente jogo de wrestler, e o puto decide disparar: “conheces o “Call of duty 4”?
Um inocente e meio anacrónico Randy pede-lhe para repetir o título do jogo umas 3 ou 4 vezes, depois pede-lhe para explicar sobre de que trata tal coisa. Obviamente que não fica muito convencido, se calhar nem entendeu bem aquela lengalenga. O miúdo, esse, está claramente a fazer um frete, um favor, nem sequer aceita um segundo round de desforra. Aquele já não é o seu jogo.

Parecendo que não, aquilo diz muito sobre o tipo de homem que ali está, e tem toda a razão o Randy, também eu joguei muitas vezes o “Call of duty” (prai o 2), altos gráficos, som potente, aventuras do arco da velha, etc…Mas nunca mais reencontrei a magia das primeiras vezes, uma Mega Drive e um Sonic em 2 dimensões, por exemplo...nada de muito sofisticado, mas na altura, tremendamente viciante e irrepetível.

É isso, as coisas andam explosivas demais, repare-se como Aronofsky filma humildemente tanto as caras dos personagens como o televisor com o jogo, uma certa ordem nas coisas.
Acho que nem deveria estar a escrever sobre “The Wrestler”, gostei tanto, mas tanto, que quaisquer palavras me soarão desnecessárias. Fuck. A coisa é tocante. Melhor, desarmante. Aquilo que todos já ouvimos falar está lá em bruto, e é impossível descrever – um homem e uma espécie de via-sacra, os fantasmas que retornam, a dificuldade de reconhecimento em relação ao que se foi, o afunilamento. Acho que tem a ver sobretudo com a primordialidade de um corpo. “Este sou eu, é assim, mais nada”. Isso e a vocação. Mas não vale a pena divagar, acho que o trunfo principal do filme é a singeleza, melhor, a forma como se recusa a deixar brotar grandes temas, mensagens, lições, falsas esperanças, etc…Não existe demagogias ou empolamentos, tudo é de uma simplicidade quase naïf (no melhor sentido).
Acho que no limite o filme é todo como no plano inicial – uma câmara a seguir um homem, o seu corpo, o peso deste e das coisas. E é assim que o filme se torna grande e vem mostrar coisas realmente vitais.

E Mickey Rourke é extraordinário, com todas as letras, o que ele oferece é a mais sublime dádiva que um actor pode dar ao seu realizador. Dá-se a ele próprio. E de resto é preciso dizer isto – Darren Aronofsky está totalmente à altura daquele homem e dos acontecimentos. É tanto mais surpreendente quanto é verdade. Zero de exibicionismos, zero de conceptualismos de pacotilha, nenhum “inventanço” de montagem, nem uma merda de um truque, tudo é filmado à altura dos homens e das ocorrências. Uma câmara que só se interessa pelo homem e pelo mundo que o rodeia, que cria o espaço necessário para captar perfeitamente os dois, para os fazer sentir. A câmara, o olhar, só têm interesse por aquela carne, por aquelas emoções sussurradas. Nunca ultrapassa a linha em que a técnica se faz matéria e centro. Ali a matéria é o homem e o mundo. O contrario dos filmes anteriores de Darren. Portanto, dizer que os actores estão fabulosos (e estão, todos), mas que Darren não cumpre, é uma daquelas boutades dignas do mais sofrível pedantismo. Porque a única coisa que aqui se manipula é a luz - tornada agreste, crua - o recurso mais antigo e essencial do cinema, que é o que tudo molda e deixa entrever. De resto, Marisa Tomei a estilhaçar qualquer ideia feita – presença de “tomates” (salvo seja) – rude, visceral, mas muito mulher. E também a Evan Rachel Wood, sempre que entra a coisa atinge umas alturas (foda-se, está linda)…

P.S: porra, os “coçórios” das cenas de luta reinventam a palavra visceral. E mesmo aqui só temos a câmara e a exposição da película a trabalhar. O resto é carne, sangue, suor. O Darren têm tudo nas mãos para se tornar outra coisa...

P.S 2: tanta coisa, blablabla, e eu quero é rever o filme…para apurar similitudes com o “Rocky Balboa”, estar com os três actores e para escrever umas coisas sobre os 90´s (ou então, não…).

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Jorge Jesus. Obrigado, mestre.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Inclui mesmo algumas cenas de "Koroshi no Rakuin" (1967), de Seijun Suzuki, um dos meus filmes preferidos: a do assassínio no aqueduto e a da borboleta. Também tem referências a "Le Samurai" (1967), de Jean-Pierre Melville. São homenagens, porque a minha intenção não era fazer um remake de "Le Samurai", mas o meu próprio filme, sem ter medo de recuperar ideias dos outros. É por isso que, no filnal do filme, agradeço a todos quanto me inspiraram: o personagem de Walker que Lee Marvin interpetava em "À Queima-Roupa" (John Boorman, 1967) ou Don Quixote, um cavaleiro andante que acreditava num código de cavalaria e não se enquadra no mundo em que vive. Também há referências directas a Frankenstein, à cultura hip hop e ao rap. O filme é uma colagem.

Jim Jarmusch

......

Estava a ver um filme de Suzuki, não o referido mas sim “Tôkyô nagaremono”, do ano anterior, e não pude deixar de me lembrar constantemente do “Ghost Dog” do Jarmusch. Do filme e também das palavras acima transcritas, sabia que o americano tinha ido lá beber. Não curto a palavra pós-modernismo, já fiz questão de o dizer, portanto acho que o que Jim fez nesse fabuloso filme é aquilo que estamos (?, enfim...) sempre a fazer, aquilo que certos grandes cineastas não tem medo em assumir - um ter consciência de uma história e de um legado, o tal dado adquirido que anseia sempre por um novo ponto de vista. Isso e um insuflar com vida, com ar do tempo, com o outro. É por isso que posso ver 1000 vezes estes filmes de Jim, é por isso que não me faz nada mal a sensação de que eles parecem tão leves que logo se desfazem no ar. Têm lá todo um legado reconhecível, mas também tem todas a hipóteses de auto reconhecimento e de conhecimento alheio. Tão focalizado mas tão mais universal do que qualquer coisa de um desses filmes-puzzle que não necessito de dizer o nome.

O filme de Suzuki? De um lirismo doentio, lânguido, arrastado. Enquadramentos que podem definir o formato largo, cores lindas e dramaturgicamente muito fortes, golpes de raiva na movimentação de câmara que quase faz lembrar o meu americano favorito, etc. Sim, tudo isto, um cineasta de génio, mas…e levo isto assim na inocência, quero rever e rever o Ghost Dog. Não tenho culpa. Não pára de crescer.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

do género: "eu dou-te a vida que tive, tu dás-me a hipótese de uma outra"
Stuart Rosenberg, gritado bem alto. Newman, Newman, Newman.
...essa infinita melancolia. é em momentos destes que nada pode ser de outro jeito. Gray foi mesmo o melhor que aconteceu ao cinema americano nos anos 90.
Costuma dizer um colega meu – daqueles muito fora de qualquer círculo de cinema, even better – referindo-se a ele próprio, que não daria para jogador da bola. Citando: “…não dava para jogador, era expulso todos os jogos, bastava um jogador virar-se para mim, ou um árbitro dar-me injustamente um cartão, fodia-lhe logo a puta da cara, não havia hipótese…” Citar de memória é sempre penoso, no entanto, se não for “fodia-lhe” ou “puta”, trocar por sinónimos próximos.

Mutatis mutandis
, a mesma merda se eu fosse critico de cinema. Um qualquer Bruno Nogueira ladrava e a minha única preocupação – “o fair play é uma treta”, disto percebe o Jorge Jesus – era partir-lhe a cara ou, simplesmente, mandá-lo foder....
Aí este cómicos e cinéfilos de domingo à tarde…

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

De Bryan Singer posso dizer que nem concordo com Vincent Malausa («Artisan trois étoiles…»), pois se eu fosse critico – fico feliz por não o ser – daria ao seu filme anterior a chamada bola preta.

Em frente, “Valkyrie” é um grata surpresa, um relato praticamente gélido, directo e sem qualquer tipo de ganga – visual, narrativa – de um daqueles acontecimentos que à primeira vista nem dá muito para acreditar. Sem nenhum tipo de sentimentalismo, sem nenhuma pompa, right to the point. Notável a maneira como Singer manda às urtigas qualquer espécie de simplismo/maniqueísmo, para seguir numa direcção e num olhar que tem muito a ver com o de Clint Eastwood no “Letters from Iwo Jima” (guardadas todas as distâncias). Dir-se-ia que é um filme feito por um alemão, preocupado em mostrar que nem todos os membros do poder, naquele tempo específico que o filme trata, estavam ao lado de Hitler e concordavam com as suas ideias. Mas não, é feito por tipos de Hollywood, e, assim mesmo, é complexo e preocupado em mostrar homens e motivações, antes de mitos e de ideias feitas. Dá para calar muita gente. E se este confronto de forças brutas, de homens máquinas, é captado com uma distância implacável e com uma secura incorruptível, outro dos trunfos é o modo como o cineasta domina todas as potências do falso, no sentido mais imediatamente visível, desde a ausência de sotaques manhosos, passando pelo corpo mutilado da personagem de Cruise, até toda uma envolvência atmosférica e a composições de quadro que incrivelmente remetem mais para o passado do cineasta do que para qualquer convenção de “filme de guerra”. Isto, elididos todos os excessos. O resto é feito como nos tempos clássicos, das maquetas – aquilo é o poiso do Hitler e é mesmo, eu não faço mais perguntas. Acho que é esta dialéctica e esta ambiguidade que mais me interessa no todo. De resto é um divertimento inolvidável, carregado de planos surpreendentes e montado de maneira quase cientifica no que diz respeito à exploração e criação do suspense e da tensão.

Ahh
, e para os espertinhos, Tom Cruise parte a louça toda – prodígio de contenção e de sangue frio – e mostra que gente como Kubrick, De Palma, Scorsese, etc. não se enganaram.

*Dito isto, é o máximo que se pode fazer (ou quase, vá lá…) quando não se é Lang ou Carpenter, e é muito.

domingo, 1 de fevereiro de 2009


“Black Narcissus”, cópia da criterion. absolutamente extraordinário. obviamente que Powell/Pressburger são os maiores. se a malta dos cahiers não está habilitada para apreciar tamanho gigantismo (!?!?!?!?)…long life positif!